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Robinho e o chato realista

colunista convidado
Por Luiz Zanin
Atualização:

Amigos, o escritor Guilherme Figueiredo (1915-1997) tem uma obra tão engraçada quanto útil chamada Tratado Geral dos Chatos. O livro é isso mesmo que o título promete. Descrição de todos os malas possíveis e imagináveis, e os malefícios que podem infligir ao próximo, assim como algumas maneiras de evitá-los. Uma das máximas de Guilherme era "chateie o chato antes que o chato te chateie". Nem sempre o conselho é de aplicação possível (em especial se o chato for seu chefe), mas de modo geral é útil. Li o livro faz muito tempo, e guardo de memória alguns tipos de chatos como o "etílico-metamórfico", que vem a ser aquele tipo de pessoa que, adorável quando de cara limpa, vira um ser insuportável ao beber. Não lembro se existia algum tipo de chato ligado ao futebol, mas se pudesse dar minha contribuição à antologia, diria que um dos piores estraga-prazeres ligados ao jogo da bola é aquele que nos atira na cara a mais abjeta realidade quando estamos em pleno sonho. Vamos chamá-lo de "chato realista". Por exemplo, ele é quem bota água no chope dos santistas quando estes, entusiasmados, falam da atuação de Robinho na partida de domingo contra a Portuguesa. Robinho só não fez chover no Pacaembu. Recebeu um lançamento perfeito do goleiro, cortou o marcador para dentro e chutou no ângulo, em jogada rápida e precisa, como nos velhos tempos. Fez também o segundo gol, num pênalti sofrido por ele mesmo e cobrado com perfeição. E o terceiro gol do Santos saiu dos seus pés, no cruzamento límpido para cabeçada de Cicinho. Foi o homem do jogo e, quando saiu substituído no segundo tempo, foi aplaudido em pé pela torcida. Pela torcida, não. Pela plateia, que agradecia ao artista o recital ofertado. Pois bem. Enquanto santistas babam pela atuação do Robinho, os "realistas", invariavelmente torcedores de times adversários, desdenham, dizendo, por exemplo, que "contra a Lusa é fácil". "Quero ver repetir a mesma coisa contra uma defesa sólida como a do Corinthians", me disse um torcedor desse time. Outros lembram que essa atuação de Robinho é uma raridade. E que seu padrão de desempenho está muito longe daquele mostrado contra a pobre Portuguesa.O que têm em comum esses argumentos? Ora, provavelmente contêm alguma coisa de verdade. Deve ser infinitamente mais difícil para Robinho, ou para qualquer um, dominar o setor direito da defesa do adversário, seja o Corinthians ou qualquer outro time mais estruturado. Lá, encontrou seu lugar preferido do campo, entrando da ponta para o meio como queria. Tinha espaço, um verdadeiro latifúndio, que é tudo o que um jogador veloz e dono de controle de bola precisa. Além do mais, é claro que, se a média de atuação de Robinho fosse aquela de domingo, ele estaria no Barcelona e não no Santos. Infelizmente, é assim. Isso tira o mérito de Robinho e o valor daquilo que se viu no Pacaembu? Claro que não. Ronaldo, quando jogava pelo Corinthians, arrasou o Santos numa partida na Vila Belmiro. Eu estava lá e vi, com estes olhos aqui. Marcou dois gols de antologia, um deles por cobertura no goleiro Fábio Costa. Garantiu para o seu time a vitória no primeiro jogo da final do Campeonato Paulista, e uma semana depois o Corinthians fez a festa em casa. Inesquecível. Para corintianos e para santistas também, pois a grande atuação de um craque deve ser saudada por todos que apreciam para valer o futebol.Outro que vi gastar a bola em plena Vila Belmiro foi o grande Alex, que tomou conta do meio de campo, marcou dois gols e arrancou um empate para o seu Coritiba contra o Santos. São jogos que não se esquecem, pois raras são as oportunidades de ver um craque de verdade em ação e em dia inspirado. Levam o futebol a um patamar não sonhado pelos jogadores normais. Portanto, a atuação de Robinho é para ser celebrada, desfrutada e lembrada. Não para ser depreciada por chatos realistas, mesmo que estes tenham parte de razão.O que seria do futebol se ele fosse só realidade e não o que de fato é, sonho materializado em forma de jogo?

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