Acessibilidade continua sendo grande problema na 'cidade olímpica'

Estado acompanha um cadeirante e uma deficiente visual pelas ruas do Rio

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Por Constança Rezende
7 min de leitura

Em contraste com a infraestrutura oferecida aos atletas paralímpicos, que estarão em atividade na Paralimpíada a partir de quarta, os deficientes físicos enfrentam no Rio dificuldades de locomoção e circulação decorrentes da carência de equipamentos facilitadores de acessibilidade.

Uma jornada em que o Estado acompanhou por um dia um cadeirante e uma deficiente visual por ruas do centro, zonas norte, sul e oeste mostrou que, para eles, circular com autonomia pela cidade ainda é uma realidade distante.

Leonardo teve dificuldades para se locomover pelas ruas do Rio Foto: Fábio Motta/Estadão

O convidado Leonardo de Paula Silva do Nascimento, de 35 anos, cadeirante com paraplegia, fez um passeio de sua casa, na Praça da Bandeira (zona norte), ao Boulevard Olímpico, no centro, na última quarta. O atleta de arremesso de peso encontrou tantas dificuldades no trajeto que afirmou que jamais o repetirá.

As dificuldades começaram logo ao deixar seu prédio. Ele precisava empinar a cadeira a todo momento para ultrapassar buracos e desníveis da Rua Mariz e Barros. "Por isso, só me desloco de carro", reclamou ele, paraplégico desde 2006, quando sofreu acidente de trânsito.

No ponto de ônibus, o primeiro que seguia para o Boulevard não tinha elevador para cadeirante. O motorista saiu do veículo para se desculpar e ofereceu carregá-lo no colo. O atleta não aceitou. O segundo ônibus dispunha do aparelho de acessibilidade. Porém, o ferro de apoio estava desaparafusado e ele seguiu por toda a viagem se equilibrando no ônibus.

Estrutura de ônibus do Rio deixa a desejar para o uso de cadeirantes Foto: Fábio Motta/Estadão

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"Quando tem ônibus com elevador, é este descaso por dentro, estruturas soltas, cintos sujos", diz. Durante o caminho, conta as dificuldades de seu cotidiano. "Os ônibus de viagem ainda são piores, estreitos. Só conseguimos entrar com cadeiras especiais ou arrastados. Quando vou na praia, não posso ir na areia, só fico no calçadão. Mesmo com este sol e calor, tenho de esperar até o verão pelo programa Praia para Todos, que bota rampas na Praia da Barra (zona oeste). Os bondinhos de Santa Teresa (zona sul) também não são acessíveis. Nem todos os taxistas param para a gente. É uma loteria."

Quando desembarca na Praça Pio X, na Candelária (centro), a única rampa de acesso na guia (meio-fio) é íngreme. Ao atravessar para a outra calçada, não há declives. O único local sem desnível está bloqueado por um carro da prefeitura, com uma placa do subsecretário da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Solidário.

Nem todas as ruas possuem rampas para o cadeirante atravessar de uma calçada para outra Foto: Fábio Motta/Estadão

Nascimento fica por alguns minutos no meio da rua, com os carros passando rente a seu corpo. Até que três agentes do Centro Presente, força de segurança que atua na região, se oferecem para carregá-lo. 

A travessia pelo Polo Gastronômico Rio Antigo, atrás do Centro Cultural Centro do Brasil (CCBB), também é difícil. Não há rampas nas calçadas e ele tem que seguir por ruas de paralelepípedos, entre os carros. As mesas e cadeiras dos restaurantes não deixam lugar para os pedestres. Ao ver a reportagem, o dono de um restaurante avisa a Nascimento que vai retirar as mesas. "Isso só acontece porque vocês da reportagem estão aqui comigo", garante.

Entre a calçada da Bolsa de Valores, na Praça XV, e a entrada do Boulevard também não há rampas, informação confirmada por um agente de trânsito da prefeitura. Ele oferece ajuda e, mais uma vez, Nascimento é carregado.

"É humilhante. Gostaria que o prefeito ou o governador passasse um dia em cima de uma cadeira de rodas e desse um rolé pela cidade para passar por essas situações." Chegando no Boulevard Olímpico, há acessibilidade.

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CEGA Desafio parecido foi o de Virgínia Menezes, de 66 anos, cega desde o nascimento, no trajeto do bairro do Flamengo, onde mora, na zona sul, ao Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. Apesar da vida intelectual ativa e versátil – é psicóloga, cantora e consultora de audiodescrição –, ela teme circular a longas distâncias na cidade.

"Nunca fui na Barra. Você vai ter de me segurar, me acompanhar. Tem de ficar atenta porque o que pode passar despercebido para você, como um desnível, pode ser difícil para mim", avisou à repórter. Ela apontou suas dificuldades. "Os canteiros não são cercados, assim como os orelhões. Esbarro sempre. Não há avisos sonoros nos sinais para atravessar a rua nem nos pontos de ônibus. Dependemos da boa vontade de alguém para nos avisar."

Virgínia Menezes precisou de auxílio para não se machucar pelas ruas do Rio Foto: Fábio Motta/Estadão

Na Barra, o elevador da passarela que leva à estação do metrô e do BRT Jardim Oceânico está quebrado. Virgínia não percebe porque não há aviso sonoro ou tátil sobre a manutenção. Também precisa de ajuda para entrar e caminhar na passarela, por falta de piso tátil. As pessoas se desviam da psicóloga para não haver colisão.

Na estação, não há informativos em braile nem avisos sonoros. Ela precisa da ajuda de funcionários. Ao desembarcar no terminal Morro do Outeiro, a mais próxima do Parque Olímpico, Virgínia não tem como saber por onde seguir. Depende novamente da boa vontade das pessoas.

A deficiente visual teve bastante dificuldade parasubir as escadas Foto: Fábio Motta/Estadão

No caminho até o Parque Olímpico, não há piso tátil. Se não fosse a ajuda da reportagem, esbarraria em um poste sem proteção. "Não somos autônomos, dependemos sempre de alguém. Gastam-se rios de dinheiro em obras de acessibilidade, mas não nos perguntam qual a melhor maneira. Nossa corrente hoje é Nada Para Nós Sem Nós", disse.

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O Consórcio BRT informou que o módulo de controle do elevador de acesso ao Terminal Jardim Oceânico "queimou em decorrência de infiltração causada pela água da chuva, o que determinou sua interdição". "Tão logo a empresa Schindler, fabricante dos elevadores, entregar a peça, o elevador entrará em funcionamento", informa nota.

ESPECIALISTAS Para a coordenadora do Núcleo Pró-acesso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Regina Cohen, o cenário de acessibilidade da cidade ainda está aquém do desejado. Segundo ela, apesar das obras, o Rio perdeu a oportunidade de se tornar plenamente acessível com a Rio-2016.

"Algumas obras de melhoria da acessibilidade foram realizadas em pontos turísticos, transportes, ginásios e em todas as instalações esportivas. Mas essas melhorias precisavam ser realizadas de forma mais ampla em toda a cidade", disse.

Regina explica que uma cidade plenamente acessível deve possuir um bom sistema de transportes, calçadas e travessias que facilitem os percursos de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Segundo a outra coordenadora do programa, Cristiane Rose Duarte, apesar das melhorias, os problemas na mobilidade urbana têm sido o grande gargalo. "Instalaram elevadores hidráulicos nos ônibus, que logo ficam fora de funcionamento por falta de treinamento dos motoristas em manejar o equipamento e pela falta de manutenção. A falta de informação também impede que o sistema de transportes funcione bem: não há placas em Braille, sinalização luminosa e sonora, não se acha funcionários que saibam comunicar com pessoas surdas."

Para a professora, as principais dificuldades são as que atrapalham as atividades mais cotidianas e simples. "Pegar um transporte para ir ao trabalho, passear num parque ou andar numa calçada, por exemplo, deveriam ser obviamente atividades fáceis e até prazerosas, já que delas depende a execução de tarefas básicas do morador da cidade. No entanto, para muitos, um curto percurso pode se transformar numa corrida de obstáculos."

Ela cita as calçadas mal pavimentadas, a falta de pisos e mapas táteis, sinais sonoros e a existência de obstáculos aéreos – como placas sob postes. "Eles fazem as pessoas com deficiência visual necessitarem sempre de ajuda, retirando a autonomia e a dignidade."  

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