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Alguém fazendo história

Mais que da torcida, das emoções e dos memes, temos saudade dos instantes extraordinários que só acontecem em uma olimpíada. Mas será que...?

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Atualização:

Quando Paulinho da Viola começou a dedilhar as notas do hino nacional na cerimônia de abertura, a gente logo entendeu: isso vai entrar para a história.

E nos 17 dias que se seguiram foi sempre assim. Tudo marcante. Os narradores não nos deixavam esquecer. A toda hora diziam: é um novo recorde, é um feito inédito, um gesto heroico, a história sendo escrita diante de nossos olhos. Cenas inesquecíveis, protagonizadas por lendas vivas, verdadeiros mitos olímpicos. Deuses do esporte na tela da sua TV.

Paulinho da Viola toca o hino nacional do Brasil na cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio, no estádio do Maracanã Foto: Wander Roberto/Exemplus/COB

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Milênios depois, não dá para saber se os gregos inventaram a história para contar suas façanhas ou se buscaram suas façanhas só para ter história para contar. O certo é que inventaram as olimpíadas para viver momentos memoráveis. Acabaram nos ensinando a narrar o extraordinário. E a reconhecer quando algo extraordinário está para acontecer.

E uma olimpíada é bem isso, um tempo de exceção, um imenso sábado à noite, feriado mundial, dias em que a gente não espera nada menos que o incrível. Atletas do mundo todo atrás de seus sonhos, jornalistas do mundo todo atrás dos melhores relatos. Debaixo de cada uniforme, uma biografia. A menina pobre que vira a melhor do mundo. O ginasta frio e predestinado que finalmente erra. A refugiada que salvou a família do naufrágio mergulha para a posteridade. Mais que esportes, atletas fazem história.

Sempre assim. Tudo marcante. Tudo decisivo. Os closes em câmera lenta nos provam que o maior espetáculo do mundo é feito de detalhes ínfimos. E se aquela bola entrasse? Se fosse um milímetro mais alto? Um milésimo mais rápido? Um respiro mais forte? A trajetória de superação e merecimento vira a crônica de uma injustiça. Foi um instante e já passou.

Quem ali não daria a vida para ter mais uma chance de evitar a derrota? Usar outra tática, velejar por outro rumo, apertar o passo, tentar mais forte, começar de novo... E quem não daria tudo para reviver seu momento de glória? Foi um instante e vai ficar para sempre. Para termos história para contar. E para não nos deixar esquecer que a história é um imenso emaranhado de sonho, esforço e acaso.

Quando a festa acabou, Paulinho botou a viola debaixo do braço e logo entendemos que estávamos de volta para nossa vida ordinária, nosso cotidiano, nossa crise, essa imensa segunda-feira de ressaca em que tudo se repete. Igual, esquecível, digno de nada. 

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A gente só toma mais um café, lê mais um jornal, pega mais um trânsito, recebe mais um e-mail. E, então, sem que a gente espere, acontece. Pode ser um detalhe, uma sorte, um encontro ou a recompensa por tanto trabalho. Chega a mensagem que pode dizer tudo, o resultado tão desejado, alguém que sorri. E, de repente, a gente olha e logo entende: isso vai entrar para a história.

*É historiador e doutor em teoria literária pela USP

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