Quando Paulinho da Viola começou a dedilhar as notas do hino nacional na cerimônia de abertura, a gente logo entendeu: isso vai entrar para a história.
E nos 17 dias que se seguiram foi sempre assim. Tudo marcante. Os narradores não nos deixavam esquecer. A toda hora diziam: é um novo recorde, é um feito inédito, um gesto heroico, a história sendo escrita diante de nossos olhos. Cenas inesquecíveis, protagonizadas por lendas vivas, verdadeiros mitos olímpicos. Deuses do esporte na tela da sua TV.
Milênios depois, não dá para saber se os gregos inventaram a história para contar suas façanhas ou se buscaram suas façanhas só para ter história para contar. O certo é que inventaram as olimpíadas para viver momentos memoráveis. Acabaram nos ensinando a narrar o extraordinário. E a reconhecer quando algo extraordinário está para acontecer.
E uma olimpíada é bem isso, um tempo de exceção, um imenso sábado à noite, feriado mundial, dias em que a gente não espera nada menos que o incrível. Atletas do mundo todo atrás de seus sonhos, jornalistas do mundo todo atrás dos melhores relatos. Debaixo de cada uniforme, uma biografia. A menina pobre que vira a melhor do mundo. O ginasta frio e predestinado que finalmente erra. A refugiada que salvou a família do naufrágio mergulha para a posteridade. Mais que esportes, atletas fazem história.
Sempre assim. Tudo marcante. Tudo decisivo. Os closes em câmera lenta nos provam que o maior espetáculo do mundo é feito de detalhes ínfimos. E se aquela bola entrasse? Se fosse um milímetro mais alto? Um milésimo mais rápido? Um respiro mais forte? A trajetória de superação e merecimento vira a crônica de uma injustiça. Foi um instante e já passou.
Quem ali não daria a vida para ter mais uma chance de evitar a derrota? Usar outra tática, velejar por outro rumo, apertar o passo, tentar mais forte, começar de novo... E quem não daria tudo para reviver seu momento de glória? Foi um instante e vai ficar para sempre. Para termos história para contar. E para não nos deixar esquecer que a história é um imenso emaranhado de sonho, esforço e acaso.
Quando a festa acabou, Paulinho botou a viola debaixo do braço e logo entendemos que estávamos de volta para nossa vida ordinária, nosso cotidiano, nossa crise, essa imensa segunda-feira de ressaca em que tudo se repete. Igual, esquecível, digno de nada.
A gente só toma mais um café, lê mais um jornal, pega mais um trânsito, recebe mais um e-mail. E, então, sem que a gente espere, acontece. Pode ser um detalhe, uma sorte, um encontro ou a recompensa por tanto trabalho. Chega a mensagem que pode dizer tudo, o resultado tão desejado, alguém que sorri. E, de repente, a gente olha e logo entende: isso vai entrar para a história.
*É historiador e doutor em teoria literária pela USP