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Corredor etíope quer representar Brasil e sonha com dois ouros

Após a prata nos Jogos do Rio e o protesto na linha de chegada, atleta treina no CT Paralímpico em São Paulo

Por Paulo Favero
Atualização:

Tamiru Demisse já colocou como meta ganhar duas medalhas de ouro, uma nos 1.500 m e outra nos 800 m. Pode ser nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, em 2020, ou no ParaPan de Lima, no ano que vem, porque talvez ainda não consiga agilizar o processo de naturalização. No momento, tem apenas um protocolo de solicitação de refúgio, que o permite trabalhar por aqui.

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Ele nasceu na Etiópia e representou seu país nos Jogos do Rio. Conquistou a medalha de prata na Paralimpíada nos 1.500 m na classe T13, para atletas de baixa visão. Demisse até poderia ter ganhado o ouro, mas achou que já tinha ultrapassado a linha e diminuiu o ritmo para cruzar os punhos acima da cabeça, como protesto. Perdeu o lugar mais alto do pódio, mas chamou atenção para o massacre que estava acontecendo com o povo Oroma na África.

Tamiru Demisse tem como meta dois ouros, nos 1.500 m e nos 800 m, pelo Brasil. Foto: Werther Santana/Estadão

“Depois que protestei, sabia que teria problemas se retornasse para a Etiópia. Lá mataram muitos estudantes, dois dos meus amigos foram mortos em protestos na minha cidade, meu irmão de 15 anos ficou preso três semanas... Era um estado de emergência e por isso protestei”, diz o corredor ao Estado.

Pelo gesto, ele decidiu permanecer no Brasil após os Jogos Paralímpicos e ficou morando no Rio de Janeiro. O maratonista Feyisa Lilesa, seu compatriota e prata na Olimpíada em 2016, enviava um pouco de dinheiro para ajudá-lo a se manter. Em comum, além da amizade, estava o mesmo símbolo de protesto feito com os punhos ao cruzar a linha de chegada. “Ele me ajudou por um período”, conta.

No Rio, o atleta treinava no Parque do Flamengo sozinho. “Era muito calor”, lembra. A barreira da língua era uma dificuldade, pois ele falava apenas a língua oromo e outros dialetos da Etiópia. Aos poucos foi melhorando sua comunicação, em português e inglês, e aí descobriu que existia um Centro de Treinamento do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) em São Paulo.

Arriscou mudar de cidade e foi parar em um centro para refugiados. Mas logo percebeu que ali, apesar de ter o mínimo, não era o local ideal para um atleta de elite. “A região era ruim para treinar e eu só podia comer e dormir lá, não tinha como descansar. Então tomava o café da manhã e tinha de sair. Voltava para o almoço e tinha de sair novamente. Se ia treinar no parque do Ibirapuera, só podia tomar banho no final da tarde. Era complicado.”

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De tanto ver Tamiru parado na rua, esperando para poder voltar ao centro para refugiados, um taxista acabou fazendo amizade com ele e nessas conversas indicou para o etíope onde ficava o CT Paralímpico. Ao chegar lá, a situação do atleta mudou radicalmente. Ele passou a ter um treinamento para atleta de ponta e melhores condições para a prática do atletismo, além de conseguir moradia com a ajuda da Associação Desportiva para Deficientes.

Tamiru Demisseganhou fama por protestar contra o governo do presidente Mulatu Tshome e do primeiro ministro Hailemariam Desalegn, da Etiópia. Foto: Werther Santana/Estadão

“O Tamiru é um grande atleta, de enorme potencial, e é uma situação desafiadora para ele. Inicialmente oferecemos toda nossa estrutura de treinamento, nossos técnicos, a pista, o espaço, só que a gente percebeu que ele precisava de mais. Então passamos a complementar essas condições esportivas oferecendo também alimentação e materiais esportivos. Com isso o CPB passa a dar uma assistência total para ele, para que possa estar acolhido aqui no Brasil e continue sendo um grande atleta”, explica Mizael Conrado, presidente do CPB.

O etíope compete como atleta de baixa visão por causa de um problema que teve na vista quando tinha 16 anos. Ele é cego do olho esquerdo e enxerga mal com o direito. “Minha família diz que eu fiquei doente e fui perdendo a visão. Antes enxergava normalmente”, afirma o rapaz, que começou tarde no atletismo. “Eu comecei a correr em 2012, antes só estudava. Eu nem sabia sobre Jogos Paralímpicos na Etiópia, não tinha informação disso lá. Não existia técnicos especialistas nisso, então passei a treinar com atletas sem deficiência. E ganhava as provas.”

Tamiru lembra que a saudade da mãe, do pai e do irmão é grande. Mas ele quer tocar sua nova vida no Brasil e vestir a camisa verde e amarela nas competições. “Agora acho que será mais fácil. Eu moro aqui, treino aqui e meu futuro é representar o Brasil. Eu não tenho dinheiro ou patrocinador, e a documentação está em processo legal. Acho que vou tentar disputar mais três edições dos Jogos Paralímpicos. Depois disso, vou tentar me dedicar à maratona”, conclui o atleta, sorrindo.

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