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Da marolinha à crisezinha, a tempestade perfeitazinha

Por Marcelo Beraba
Atualização:

Em 2009, o ano em que a cidade do Rio foi escolhida sede da Olimpíada de 2016, a inflação dos preços no Brasil foi de 4,31%, a renda dos trabalhadores tinha subido 4,1% nas principais regiões metropolitanas no primeiro semestre em comparação com o mesmo período de 2008, o governo do presidente Lula era aprovado por 81% da população e ele já trabalhava para a sua ministra Dilma Rousseff substituí-lo na Presidência da República. No dia 2 de outubro daquele ano, enquanto Lula e o governador do Rio, Sérgio Cabral, comemoravam aos saltos e com choro a vitória inesperada sobre Tóquio, Madri e a Chicago de Barack Obama, uma ação preferencial da Petrobrás valia R$ 34,16. Neste 5 de agosto, quando começa a contagem regressiva para os jogos no Rio, o país acumula em um ano uma inflação de mais de 9%, a renda caiu 2,1% e a presidente Dilma, no oitavo mês do seu segundo mandato, tem a maior rejeição de um presidente da República desde a redemocratização: 83% desaprovam o seu governo e 62,8% são favoráveis a tirá-la do governo através do impeachment. E as ações da Petrobrás fecharam o mês de julho a R$ 10,50. Em pouco menos de seis anos saímos de um cenário de estabilidade econômica e de generalizado otimismo em relação ao futuro prometido – desenvolvimento com inclusão social – para um ambiente de crises ininterruptas na economia e na política, com sentido impacto nos programas sociais, nas políticas públicas e no quotidiano das pessoas. Se em 2009 o presidente Lula tratava a big crise econômica mundial como uma “marolinha”, o que assistimos hoje, faltando um ano para a Olimpíada, é uma tempestade perfeita – embora o vice-presidente, Michel Temer, chame-a de “crisezinha”. Em 2009, a escolha do Rio foi interpretada como consequência natural de um ciclo virtuoso que se imaginava irreversível. E, de fato, naquele momento, além dos indicadores econômicos, tínhamos o reconhecimento e a admiração do resto do planeta. No Brasil, tratávamos das redentoras descobertas do pré-sal, do projeto para o trem bala Rio-São Paulo e da compra da maior frota de caças. No Rio, comemorávamos a implantação das primeiras UPPs nos morros dominados pelo narcotráfico – enfim, uma política de segurança pública consistente e passo importante para a cidade receber os grandes eventos programados para celebrar este novo país: a Rio + 20 (2012), a Copa das Confederações (2013), a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada (2016). No meio do caminho entre Copenhague e a Vila Olímpica na Barra da Tijuca desabaram dos céus as manifestações de junho de 2013, a Operação Lava Jato que investiga corrupção na Petrobrás, no Congresso e em empreiteiras contratadas para as obras olímpicas, o 7 x 1 da Alemanha, o desarranjo econômico do governo Dilma e o deputado Eduardo Cunha.  Em setembro de 2009 Lula tinha uma avaliação (CNI/Ibope) muito positiva: 69% consideravam seu governo ótimo ou bom (apenas 9% de ruim e péssimo), 81% aprovavam a sua administração e era imensa a taxa de confiança nas políticas de controle da inflação e de geração de empregos. As pesquisas mostravam uma população otimista com o futuro apesar de o PIB fechar um ano com um crescimento de apenas 0,2%. No resto do mundo, Lula era “o cara” – “Ele é o político mais popular da Terra”, incensou Obama no início daquele ano, no G-20, em Londres. Os números atuais de Dilma estão trocados em relação aos de Lula de 2009: ela tem 68% de ruim e péssimo e apenas 9% de ótimo e bom; 61% estão pessimistas em relação à continuidade do seu governo, que é desaprovado por 83%. Esta reprovação se estende a todas as suas políticas, como combate ao desemprego (83% desaprovam), inflação (86%) e combate à fome e à pobreza (68%). O pré-sal ainda não aconteceu, o trem-bala nunca saiu do papel (e talvez devamos agradecer por isso) e os caças ainda são uma novela. No Rio, o programa das UPPs começou a ter problemas sérios e áreas já completamente pacificadas voltaram a viver o terror das invasões policiais e dos tiroteios fatais. Os juros voltaram a subir, as ações da Petrobrás e a arrecadação de impostos desabaram e a previsão é que o PIB tenha uma queda próxima de 2%. No Rio, onde a inflação acumulada já passou dos 10%, o baque foi ainda maior por causa das perdas com os royalties do petróleo. O diagnóstico mais duro da reversão de expectativas veio de Londres, do principal jornal econômico do mundo, o Financial Times: “Incompetência, arrogância e corrupção destruíram a poção mágica do Brasil”. Da tropa de choque que defendeu a candidatura do Rio naquele dia em Copenhague, poucos sobreviveram. Sérgio Cabral foi obrigado a se recolher desde as manifestações de rua de 2013. João Havelange, acusado de corrupção, teve de renunciar a seus cargos e títulos na FIFA. Lula está com a vida complicada, às voltas com o derretimento do governo Dilma, o aumento da rejeição ao PT e as suspeitas em relação ao seu instituto. Cabral e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, foram transportados para a Dinamarca no jato do empresário Eike Batista, então um dos homens mais ricos do mundo e celebrado como o mecenas dos jogos. Falido, Eike também se foi. Restam Eduardo Paes e o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. E a promessa – agora encarada com ceticismo – de que a Olimpíada – diferentemente do Pan de 2007 e da Copa de 2014 – melhorará de fato o Rio e o Brasil.

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