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Escândalos e custo afugentam cidades candidatas aos Jogos Olímpicos

População de vários locais são contra receber o evento por causa do alto investimento e do temor de corrupção

Por Jamil Chade e em Genebra
Atualização:

“Procura-se: sede de Jogos Olímpicos”. O cartaz não existe. Mas o comentário irônico que corre no meio olímpico é que, em breve, ela poderá se tornar uma realidade na porta do COI. Nesta semana, a cidade de Innsbruck rejeitou, nas urnas, uma proposta para concorrer para receber os Jogos Olímpicos de Inverno de 2026.

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O novo golpe foi interpretado como um sinal claro de que os escândalos envolvendo o Rio de Janeiro, o impacto dos gastos russos em Sochi e a falta de transparência no processo de seleção das cidades estão afastando cidades de países democráticos de qualquer aventura olímpica.

Não:Cidade de Innsbruck rejeitou receber Olimpíada de Inverno Foto: Dominik Ebenbichler/Reuters

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O governo austríaco era favorável a levar o evento pela terceira vez na história à cidade alpina. Mas sob a condição de que mais de 200 cidades votassem a favor na região.

O problema é que 53% dos eleitores disseram que o custo era elevado e que não tinham interesse em ver dinheiro público destinado a esse objetivo.

A perda de Innsbruck representou um sinal de alerta muito além de um mero “não” de uma cidade ao evento. O local é considerado como uma das capitais mundiais do esporte de neve, com ampla infraestrutura e know how para eventos. Sua recusa mandou um recado claro ao COI, de que a crise é profunda. “É como se Wimbledon renunciasse ao tênis”, escreveu o comentarista David Owen.

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Para muitos dos organizadores locais, o voto foi um reflexo da própria imagem do movimento olímpico. “A imagem olímpica se deteriorou”, disse o presidente da Federação Austríaca de Esqui, Peter Schröcksnadel. “A isso tudo, temos de somar o fato de que as pessoas já não confiam na política.”

IMPASSE

Os Jogos de 2026 terão suas sedes escolhidas em pouco menos de dois anos. Mas ainda não contam com nenhuma candidatura firme. Sion, na Suíça, promete se lançar na corrida, depois que Berna e Davos se recusaram a abrir os cofres públicos para bancar a festa.  O governo suíço prometeu um cheque de US$ 1 bilhão. Mas sob a condição de que tanto o Parlamento como a população local aprovem a ideia por meio de um referendo, marcado para o dia 10 de junho de 2018.

“É chocante a facilidade com a qual o governo encontra US$ 1 bilhão para os Jogos. Precisamos ser coerentes”, disse o deputado socialista, Mathias Reynard. “A previsão para 2018 é um corte de US$ 200 milhões para o orçamento de formação. Se não temos dinheiro para isso, tampouco temos para os Jogos”, criticou.

O evento de 2026 não é o único a sofrer com a falta de candidatos. Nos últimos anos, foi formada uma longa fila de governos e votos populares que tem rejeitado o evento.

Para os Jogos de Inverno de 2022, por exemplo, referendos em Cracóvia, Munique e na milionária St. Moritz, na Suíça, disseram “não” a candidaturas.

Em Estocolmo e Oslo, os governos optaram por abortar o processo diante da oposição que se formou no local. Lviv, na Ucrânia, indicou que abandonaria a corrida diante dos custos e da situação bélica no país. 

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Ao final do processo, o COI tinha apenas duas opções: dar o jogos para Almaty ou Pequim, duas cidades em países onde falta democracia e, no caso chinês, falta neve. 

Para os Jogos de 2020, a entidade apenas contou com três concorrentes: Madri, Istanbul e Tóquio, que acabou ficando com o evento. Para 2016, eram nove os candidatos a concorrer ainda em 2009. 

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Para 2024, apenas Los Angeles e Paris estavam na briga, depois da desistência de Roma, que se recusou a pagar pelas garantias e fazer os investimentos exigidos. Budapeste também desistiu, diante dos elevados custos. Hamburgo, Boston, Toronto, Durban e e várias outras que ensaiaram uma candidatura também desistiram pelo caminho.

A onda de desistências preocupa os membros da entidade. Um deles, Richard Peterkin, admite que o resultado das urnas na Áustria é um “golpe” para os Jogos Olímpicos. Mas também sugere que o recente escândalo de corrupção no Rio e o doping estão prejudicando o surgimento de candidatos. “Novas iniciativas e respostas a problemas afetando o desconforto popular e mal-estar com organizações esportivas (doping e corrupção) precisam ser urgentemente encerrado”, escreveu. 

RESPOSTA O COI, sabendo da dificuldade em encontrar pretendentes, anunciou nesta semana que decidiu simplificou o sistema de candidaturas. Num primeiro momento, o processo praticamente seria gratuito e seria o próprio COI quem ajudaria as cidades a montar seus planos para concorrer. 

Não haverá nem pedidos de garantias e as cidades entrarão em um “diálogo” de um ano com o COI para avaliar como poderiam apresentar seus projetos. A entidade ainda anunciou que promete uma ajuda recorde de quase US$ 1 bilhão para a cidade que se apresentar e vencer a corrida. 

Em setembro, o presidente da entidade, Thomas Bach, admitiu que a decisão de dar os Jogos de 2024 e 2028 ao mesmo tempo para as únicas duas cidades na corrida – Paris e Los Angeles – era uma forma de garantir bons projetos por mais dez anos. “É melhor dois pássaros na mão que um voando”, afirmou Bach. 

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Em agosto, ele ainda reconheceu que o COI estava ignorando as populações locais nas decisões.“Há cinco anos, olhávamos se governos apoiavam o evento, se a oposição apoiava e entidades esportivas e empresários apoiavam”, disse Bach. “Falaríamos que temos um amplo apoio público. Mas o mundo, em muito aspectos, mudou”, admitiu. 

“Agora é o povo. Se todos esses grupos se aliam, a população suspeita de que existe algo errado e que estariam colocando dinheiro em seus bolsos. É uma mudança de atitude. Podemos nos queixar dela. Mas não podemos ignorar”, reconheceu.

O mesmo esquema realizado com Los Angeles e Paris poderia se repetir. Começa a circular a ideia de que os Jogos de Inverno de 2026 e 2030 também sejam dados ao mesmo tempo, em 2019, para duas cidades que se apresentarem. Até la, o COI vai estar numa posição incômoda de ter de convencer cidades a se candidatarem, uma realidade impensável há apenas uma década. 

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