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Formiga é atleta persistente e recordista nos Jogos Olímpicos

Jogadora da seleção feminina de futebol completará sua 6ª Olimpíada

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Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

Foi uma briga para Formiga ser jogadora de futebol. Literalmente. Quando ainda era menina, apanhava dos dois irmãos mais velhos, Manacés e Esdras, que não queriam que ela jogasse de jeito nenhum. Mesmo debaixo de pancada, primeiro dos irmãos e depois das zagueiras, ela vai completar sua sexta Olimpíada. Mais que o recorde, se tornou um símbolo da seleção feminina de futebol.

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Desde que o futebol feminino passou a integrar o cronograma olímpico, em Atlanta-1996, Formiga esteve em todos os Jogos. Vinte anos depois de sua estreia, ela será a única brasileira a competir em seis Olimpíadas, de acordo com o Comitê Olímpico Brasileiro. A mãe, Celeste Maciel Mota, resume o sentimento da família. "Eu me sinto lá em cima."

A mãe pressentiu que teria uma jogadora na família logo que Formiga desceu do berço. Naquela época, menina ganhava boneca; menino, carrinho ou bola. Formiga deu seu jeito: arrancou a cabeça da boneca e fez sua própria pelota. Em casa, ela é apenas Mira, diminutivo de Miraíldes Maciel Mota.

 Foto: Eric Bolte/USA Today Sports

Dona Celeste conta que ficou incomodada no começo. Também tinha o diz que diz dos vizinhos: mulher macho, diziam os desaforados. A moldura desse quadro de preconceito é o bairro de Areia Branca, na periferia de Salvador, 40 anos atrás. "Quando percebi que era isso que a Mira queria, dei meu apoio. Os pais têm de fazer isso, né?"

Ela usa a palavra "pais" de um jeito particular. Casou-se aos 26 anos, mas perdeu o marido dois anos depois por causa da doença de Chagas. Formiga tinha oito meses e não conheceu o pai. Por 14 anos, dona Celeste foi auxiliar em uma fábrica de remédios para criar os cinco filhos. Quando diz "pais", fala de si mesma.

Aos 13 anos, com a bênção da mãe, Formiga saiu de casa para morar em uma casa de atletas e, em seguida, veio para São Paulo. A sequência da carreira da baiana se confunde com a história do futebol feminino. Ela tem no currículo seis Copas do Mundo e cinco Olimpíadas. Sua despedida será no Rio. "O preconceito diminuiu. Hoje, vemos meninas jogando futebol na rua. Mas a mulher precisa sempre provar que é capaz. Mesmo assim ainda tem gente que olha torto", diz a jogadora de 38 anos.

Formiga fala baixo e devagar. Opina sobre os direitos das mulheres e as pancadas dos irmãos sem alterar a voz, sem baixar os olhos. Trata das paúras da vida com a mesma elegância com que bate na bola para uma virada de jogo. Sua voz só bambeia quando relata um caso de injúria racial. Em 2014, quando atuava pelo São José (SP), disputou uma partida em Caçador (SC). Foi chamada de "macaca". "Tenho a cabeça boa para essas coisas. Não me deixei abalar. Acho que eles estavam querendo me desconcentrar", minimiza.

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Depois de tanto tempo, ela lança seu olhar apaziguador, do deixa disso, até para a atitude dos irmãos. "Não acho que tenha sido machismo, foi mais preocupação", explica. "Acho que tinham medo que eu me machucasse, que alguém fizesse alguma maldade." Amigos mais próximos têm ainda uma terceira versão. Contam que os irmãos mais velhos ficavam incomodados com a fama de perna de paus que ganharam depois que Formiga mostrou que jogava mais que eles. "Quando a gente se dedica mais acaba se tornando melhor, né?", indica a mãe.

Embora represente outra era do futebol feminino, marcado pelo amadorismo e pela discriminação, problemas que ainda não foram totalmente superados, sua trajetória aponta para o futuro. "Ela não tem uma liderança por falar muito, mas sim pela atitude e pela postura", diz o técnico da seleção brasileira Oswaldo Alvarez, o Vadão. Para ilustrar essa importância, a CBF pediu no ano passado que ela usasse a camisa 20, em comemoração às duas décadas na seleção.

Se Marta é a estrela após ter sido eleita cinco vezes como a melhor do mundo, Formiga é a operária. A comissão técnica afirma que é uma luta para poupá-la de algum amistoso. O apelido, que era referência ao perfil miúdo de 1,60m tornou-se uma metáfora para seu trabalho incansável dentro de campo. A alcunha mudou de significado com o tempo.

A trajetória de Formiga tira o pó de um conceito que estava esquecido na estante do nosso futebol: o amor pela seleção brasileira. De acordo com Vadão, ela recusou um convite para atuar no sueco Rosengard, o mesmo time de Marta, para integrar a seleção brasileira permanente. Seus salários giram em torno de R$ 10 mil. Lá, ganharia bem mais.

Os rendimentos foram suficientes para ela ampliar a casa da família em Salvador, a mesma onde nasceu. Dona Celeste conta que eles nasceram na humildade e vão continuar assim. A mãe revela que Mira liga todos os dias, mas sabe que ela não voltará para o ninho nem quando se aposentar. Diz que a casa da filha é onde existir uma bola.CARREIRA

- Olimpíada:  Medalhas de prata nos Jogos de Atenas/2004 e Pequim/2008

- Mundiais:  Participou de seis Copas do Mundo e foi vice-campeã uma vez (2007)

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- Pan-Americano:  Três medalhas de ouro (Santo Domingo/2003, Rio/2007 e Toronto/2015) e uma de prata (Guadalajara/2011).

- Sul-Americano:  Campeã em 2010

- Recorde:  Vai se tornar a única mulher a participar de seis edições dos Jogos, desde Atlanta-96, quando o futebol feminino entrou na programação

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