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Medidas extremas: confira os biotipos dos atletas olímpicos

Análise mostra que não existe um tipo físico médio

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Por Ciro Campos , Guilherme Duarte Jardim e José Roberto de Toledo
Atualização:

Será que o sujeito de uniforme azul escrito “China” em vermelho, comendo um sanduíche intragável na praça de alimentação em frente ao parque olímpico, é atleta? A dúvida, com variações de local e nacionalidade, assalta com mais frequência os turistas olímpicos do que táxi clandestino pegando passageiro na rodoviária de madrugada. Usar peso, altura e idade aparentes para respondê-la é natural, mas, também, um atalho para o erro. Não existe o biotipo médio do atleta do Rio-2016.

A não ser que você seja torcedor da seleção japonesa de futebol e seu ídolo seja o zagueiro Tsukasa Shiotani. Com 1,82 metro, 80 quilos e 27 anos, ele é a personificação da mediocridade olímpica. Nenhum outro esportista se assemelha mais à média de altura, peso e idade dos atletas masculinos que vieram competir no Rio. Também nos resultados: como a maioria, voltou para casa sem morder uma medalha. Nem por isso ele se tornou ícone da propaganda olímpica.

Com 2,18m, Muhao Li, do basquete da China, é o mais alto do Rio-2016 Foto: AFP

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A análise dos dados biométricos de todos os atletas revela uma diversidade que não combina com o imaginário comercial criado para a Olimpíada. Ninguém viu um filme oficial de exaltação aos gordos olímpicos. Mas eles existem, e não são poucos.

Há mais de 300 atletas inscritos na Rio 2016 com IMC (índice de massa corporal) superior a 30 – o que, segundo a Organização Mundial de Saúde, é sinal de obesidade. O IMC não é a medida ideal, pois não separa massa muscular de gordura. “IMC para analisar os atletas provavelmente vai levar a erro. É preciso usar outros métodos para dar a porcentagem de gordura, a massa óssea e mais informações”, explica o fisiologista Paulo Zogaib.

É improvável, porém, que alguém com IMC acima de 40 possa ser “puro músculo”. Único levantador de peso do Equador que veio ao Rio em busca de medalha, Fernando Salas Manguis tem 1,86 m e pesa 155 quilos. Seu IMC é 44,8. Por essa conta, ninguém é mais gordo do que ele na Vila dos Atletas. Embora seja capaz de levantar mais de 400 kg, a imagem do equatoriano não condiz com o que os marqueteiros olímpicos estão acostumados a vender. Nem por isso Salas é menos atlético do que seus companheiros.

“A nossa categoria no levantamento de peso (com mais de 105 kg) tem os mais fortes atletas olímpicos. Temos um tipo físico parecido”, diz. É verdade. Dos 24 inscritos com IMC superior a 40, nada menos do que 15 são levantadores de peso. O motivo que levou o equatoriano ao levantamento de peso mostra que isso não é coincidência: “O que mais me agrada na modalidade é ser um esporte sem limites. Não tenho restrições alimentares, posso comer de tudo”. E come: 12 mil calorias por dia, revela.

O equatoriano pode ser o mais gordo, mas não é o maior. Nem o mais pesado. Esse título fica com o judoca romeno Daniel Natea. Nem os seus 2,03 metros de altura são capazes de distribuir olimpicamente seus 170 quilos. A barriga insiste em saltar do quimono, e a faixa preta quase precisa de extensor. Ao seu lado, até o gigante francês Teddy Riner, que tem a mesma altura e domina a categoria de Natea no Judô há anos, parece “pequeno”.

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Tantos quilos a mais não constituem vantagem nem desvantagem especialmente importantes, no seu caso. O romeno chegou a primeiro do ranking da categoria para a Copa do Mundo de Judô, venceu sua primeira luta no Rio por ippon (o golpe perfeito que, como um nocaute, determina o fim da luta). Foi desclassificado na segunda, quando perdeu, também por ippon, para um usbeque 13 centímetros mais baixo e 38 quilos mais leve.

A diversidade de biotipos é a essência dos Jogos Olímpicos. Quando se olha o gráfico de dispersão com os cruzamentos de peso e altura médios por esporte isso fica evidente, tanto para homens quanto para mulheres. Em um extremo estão as ginastas, com 1,55 metro de altura e 48 kg de peso, em média. Do outro, os jogadores do basquete masculino, com 2 metros de altura e 100 kg de peso, também em média. Mas, mesmo entre eles, as diferenças são gigantescas. Variam do 1,81 metro do armador argentino Facundo Campazzo aos 2,18 metros do pivô chinês Muhao Li.

DISTINTOS

Entre as duas pontas, milhares de atletas dividem-se por dezenas de esportes que demandam compleições físicas distintas. O tae-kwon-do, o remo e o vôlei, por exemplo, requerem atletas desproporcionalmente altos em relação ao peso. Enquanto a luta olímpica, o judô e o tiro costumam atrair os desproporcionalmente pesados. O mesmo vale para as mulheres.

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O triatlo (para ambos os sexos) e a ginástica rítmica (para as mulheres) tendem a concentrar os atletas mais “secos”, com menor IMC. Mesmo que não sejam altos – e não são –, tendem a ter um peso desproporcionalmente baixo para sua altura.

A preparação específica para cada modalidade e a busca por medalhas levam os atletas a perseguir extremos. Para o médico Zogaib, a maioria dos maratonistas estão abaixo do peso, assim como atletas do levantamento de peso estão acima do ideal. Nem por isso se pode dizer que algum deles não seja saudável.

Apesar das lesões por esforço repetitivo e do desgaste que treinamentos intensivos e competições frequentes provocam, alguns atletas conseguem se manter em forma por muitos e muitos anos. Prova disso é que há alguns sessentões disputando a Rio-2016. O britânico John Whitaker, de 61 anos, e a neozelandesa Julie Brougham, de 62, são cavaleiros. Juntos, têm 110 anos de experiência. Na comparação com as médias de altura, peso e idade dos outros competidores, são os mais fora da curva.

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O britânico está em sua sexta olimpíada e dá sua receita para se manter competitivo no esporte por tanto tempo: “Tudo o que você pode fazer é ser profissional. Acordo às 6h30 todo dia e treino os cavalos, tentando sempre melhorar. Não quero vencer a qualquer custo. Amo o que faço, e vencer é um bônus. Se consigo pagar as contas, estou feliz”.

De volta à praça de alimentação e às médias, talvez os marqueteiros olímpicos preferissem usar outra atleta – que também representa com precisão o peso, altura e idade médios dos competidores – como garota propagada dos Jogos. A saltadora em distância mexicana Yvonne Trevino fez história ao ser a primeira a representar seu país nessa prova nas Olimpíadas desde 1968. Além do desempenho, dos 1,70 metro, 63 kg e 26 anos, tem os mesmos atributos que levaram sua prima Salma Hayek a Hollywood.

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