Atletas menores de idade precisam de permissão para ir aos Jogos

Jovens conciliam rotina de treinos com o fim da adolescência

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Por Gonçalo Junior
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4 min de leitura

A ginasta Flavia Saraiva ainda dorme com os pais. Ela tem seu quarto, todo bonitinho, mas sempre dá um jeito de se embolar com a dona Fabia e o seu João. E leva o irmão junto, o Junior. Outra coisa que ela gosta de fazer é ficar pulando na cama – dessa vez, na dela mesmo – como fazia antes de se tornar uma das grandes esperanças de medalha da ginástica. A alma de menina, no entanto, abre um cantinho para a vida de atleta. Quando tem dor de cabeça, ela dispensa os comprimidos de dona Fábia, não toma nem os infantis, e liga para o médico da confederação. Medo de doping. Cada caçula dos Jogos encontra uma receita particular para viver essa vida dupla, de ser atleta e menor de idade.

Ricardo Takahashi afirma que a filha Bruna deu um salto em distância, da infância para a vida adulta, sem passar pela adolescência. "Ela só brincou de boneca até os sete, depois só raquete e a bolinha", diz o analistas de sistemas. 

Bruna Takahashi, de 16 anos, é a mais nova da delegação Foto: Daniel Teixeira|Estadão

O pingue-pongue virou tênis de mesa com os títulos. Ao ganhar o Desafio Mundial Infantil, em outubro do ano passado, em Doha, ela se tornou a primeira brasileira a vencer um torneio desse nível no tênis de mesa. Aos 16 anos, ela é a caçula da delegação. 

Bruna joga tênis de mesa por seis horas diárias, de segunda-feira a sábado. Chega ao CT às 8h45 e fica lá até por volta de 11h45. Almoça, faz uma hora de preparação física (às terças e quintas) e treina de novo à tarde. Toma banho e vai para a escola, o Colégio Singular, em Santo André. Sua preocupação é recuperar as lições da escola que vai perder durante a Olimpíada. O jeito vai ser à recorrer às amigas do segundo ano do Ensino Médio. 

Estudar à distância foi a saída encontrada por Flávia Saraiva. Ela só vai ao Colégio Anglo-Americano para fazer as provas. Não tira dez, mas consegue o sete que precisa para passar e, nessa toada, já está no último ano do Ensino Médio. "O forte dela é a Matemática. Puxou a mãe", orgulha-se dona Fabia. 

Gabrielle Roncato, a mais jovem da equipe de natação, sentiu falta da vida escolar. Depois de ter iniciado a carreira em Santos, a nadadora, que fez 18 anos na última quarta-feira, azucrinou os pais para treinar no Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo. E toca a família se dividir: uma parte ficou em Santos, outra na capital. No final do ano passado, quis voltar para Santos. "Ela não gostava muito de ficar falando só da natação. Queria conhecer outras coisas", diz a mãe Andrea. 

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A dona da medalha de ouro no Sul-Americano Juvenil de Natação, com quebra de recorde nos 100 m livre, em 2015, e a prata no Pan de Toronto nos 4 x 200 m livre está no primeiro ano de Direito. Seu desafio agora é levar a família de volta para Santos. 

Para Alexander Ferrer, treinador de saltos ornamentais e que tem Giovanna Pedroso, também de 17 anos, na equipe, é um desafio é conciliar escola e treino. "Nas horas livres, o atleta tem de se recuperar. Com isso, mesmo na adolescência, o atleta tem de abrir mão de festas e feriados". 

FINANÇAS

Gabi é "quase" dona do próprio nariz desde que ganhou o primeiro comprovante de rendimentos aos 12 anos de um patrocínio em Santos. Hoje, ela divide o apartamento com uma amiga. Mas a independência conquistada com patrocínios pessoais e incentivos federais vai até a página 2 da fatura do cartão de crédito. "Ela sempre pede socorro", diz o pai, o engenheiro automobilístico Roberto.

A carência também é afetiva. Ela fez questão que todo mundo descesse a serra para o aniversário e come a comida feita pela mãe, mesmo congelada. E ainda sente falta do leite com achocolatado e das refeições com todos os irmãos juntos na mesa. "Vou poder viajar sem precisar da autorização dos pais", celebra.

Entre as poucas escorregadelas de adolescente de Bruna está a paixão pelos seriados de terror, como Diário de um Vampiro e Sobrenatural. Ela queria ter feito uma festa de 15 anos e um anel de debutante. Por enquanto, ganhou apenas o segundo. O brilhante ainda fica meio largo nos dedos finos e ágeis – e, obviamente não dá para jogar com ele. 

O salto para a vida para a adulta para no ar quando o tema é outro tipo de paixão. O pai dá uma risada saborosa, fora dos padrões orientais, quando perguntado sobre namoro. "Só depois da próxima Olimpíada", sorri. "Tenho de aproveitar esse momento. Tudo tem sua hora", concorda a filha. 

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Para as caçulas, os Jogos não representam apenas uma espécie de estágio olímpico. Na ginástica, Flavia tem chances reais de medalha. "Procuro deixá-la solta, sem cobrança. Meu marido diz que ela ainda não sabe direito o que está acontecendo e é melhor que seja assim", diz dona Fabia. 

Roncatto sonha com uma final dos 4 x 200 m livre, feito que o Brasil não consegue há 12 anos. Ela diz que não quer só aprender, ficar olhando os mais velhos, mas também quer mostrar o que tem bom.