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Os metais do fracasso

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Por Paulo Calçade
Atualização:

Os primeiros passos olímpicos da seleção ilustram bem a encruzilhada em que se meteu o futebol brasileiro. De um lado está a cobrança pelo resultado, baseada numa ideia antiga de que ele é fruto apenas da condição técnica excepcional que sempre nos distinguiu do resto; do outro, aparece a necessidade de começarmos, embora tardiamente, a reconhecer que a composição do jogo não se restringe apenas a recursos individuais. Quando outros componentes passaram a ser tratados com rigor científico, como a tática e a preparação física, o futebol praticado no Brasil reagiu negativamente aos novos desafios. Acreditou-se que nenhum conhecimento superaria nossa tão festejada qualidade individual.  Lamentavelmente, muito tempo foi perdido com isso. E quando apenas a técnica não é suficiente para resolver, a torcida se revolta contra seu portador, o jogador. A Copa do Mundo de 2014 agravou muito a situação.  O fascínio que a seleção ainda é capaz de criar em muitos corações convive paralelamente com a raiva, alimentada pela falta de intimidade com o tema, o futebol.  Esse foi um dos assuntos de uma boa resenha de Rogério Micale com alguns jornalistas, na semana passada, fora do ambiente oficial das entrevistas coletivas. Ditos publicamente, alguns argumentos podem sugerir desculpas antecipadas. É melhor evitar. Afinal, a campanha olímpica é importante para ele também. O desconhecido nessa seleção é seu treinador, costuma dizer o próprio, ao reconhecer o tamanho da oportunidade que recebeu com a demissão de Dunga. A medalha de ouro, se vier, fará muito bem a ele, elevando-o a outro patamar. Profissionais com boa formação acadêmica e longa vivência na base carregam muita rejeição.  Possuem a teoria que abastece o futebol contemporâneo e precisam tomar cuidado para não serem banidos do meio pela cultura boleira, que está em transformação, é preciso reconhecer. Basta ver a dificuldade crescente de clubes grandes para contratar treinadores. Até os cartolas estão percebendo que falta conteúdo qualificado no mercado. Resultados. Prata e bronze são metais do fracasso, apenas o ouro significará alguma coisa. A responsabilidade desse grupo transcende os Jogos Olímpicos. A importância do evento e os nomes convocados para a missão despejaram neles toda a responsabilidade de um futebol que não ganha nada há muito tempo. Falar em pressão já é um desgaste. É tema batido, incompreendido, virou muleta para todos que vivem do futebol ou no futebol. Mas é real, a pressão existe.  Se jogadores muito mais maduros e experimentados sofreram com isso no Mundial de 2014 e nos torneios que vieram na sequência, o que dizer dos mais jovens? Ou o que dizer a eles? Virem-se? Nenhum outro país transfere tanta responsabilidade a seus jogadores, inclusive as que não têm nada a ver com o futebol. Brasil e Alemanha são os únicos campeões mundiais ainda sem o ouro olímpico. Na terra de Franz Beckenbauer, no entanto, além de cobrança existe trabalho. Aí mora a diferença. O título de 2014 começou a ser desenhado 15 anos antes e foi resultado do reconhecimento de que alguma coisa precisava ser feita para recolocar o futebol alemão na rota das conquistas. E o Brasil, quando perceberá que não adiantada criar apenas focos de pressão? Ninguém precisa concordar com isso, é mais fácil bisbilhotar a vida privada dos jogadores, especialmente a de Neymar, para extrair elementos dela e julgá-lo como responsável pela falta de resultados. A loucura do futebol levou muita gente a infantilizar a forma de se relacionar com clubes e seleção brasileira. Basta ler comentários sobre o tema nas redes sociais. É de chorar!

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