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Tecnologia festeira

O que os franceses são para o vinho, nós somos para as celebrações populares

Por Matthew Shirts
Atualização:

Em 1996, sou pego de surpresa ao chegar para uma partida de vôlei de praia, na Olimpíada de Atlanta, para onde fui, diga-se, enviado por este jornal. Toca alto, altíssimo, um som bem jovem, desconhecido para mim em eventos esportivos, debaixo de um sol monstro numa arquibancada montada sobre um campo de areia. Tudo foi feito para parecer que estivéssemos na praia, mas, naquela cidade suburbana cheia de estradas e automóveis, o ambiente não convence 100%. É bacana, divertido, mas fora do lugar; isto ficaria interessante mesmo, me lembro de pensar, em Copacabana.

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Enquanto aguardo o início do evento, ali na arquibancada, a ideia de realizar uma Olimpíada no Rio vai ganhando sentido na minha cabeça. Reuniria o que o Brasil faz de melhor, ou seja, grandes festas populares, com aquilo que nos desafia tanto: obras de infraestrutura relevantes. Não chegava a ser uma ideia original. Existia um movimento, já em 1996, dedicado a trazer os Jogos Olímpicos para o Rio. Apenas aderi, mentalmente, ali na hora, na quadra de vôlei de praia em Atlanta.

Este momento me vem à cabeça, domingo passado, enquanto acompanho a tocha olímpica, de bicicleta, pela Avenida Sumaré em São Paulo. Parece impossível, mas lá se foram vinte anos e a Olimpíada vai ser no Rio mesmo, com alguns eventos em São Paulo e outras cidades brasileiras. Começa daqui a alguns dias, como se sabe. Quem corre com a tocha é Sabrina Sato. Apesar de toda sua experiência pública, antes de partir, pede orientação da representante da Olimpíada, que lhe garante: “É só segurar e correr que dará tudo certo”.

O conselho poderia valer para o país inteiro, penso ali na hora. Sabrina sai em disparada e, com ela, o público que esperou na Sumaré com paciência a chegada da tocha. Estamos todos inseguros, penso. Quando fomos escolhidos, em 2009, o momento do país era outro. Estávamos confiantes, cheios de nós mesmos, prontos para colocar o Brasil na história dos Jogos e do mundo. Hoje, o momento é outro. O quadro político é confuso. A economia andou de lado, para dizer o mínimo. Não temos mais certeza do futuro glorioso do país, pelo menos não no curto prazo. A sensação é a de um casal que programou uma grande festa e brigou feio na véspera.

Mas não há mais o que fazer. Os convidados já estão chegando. E, apesar de tudo, apesar da Zika, apesar da crise econômica e da crise política, e da poluição da Baía de Guanabara e das obras de saneamento prometidas e não realizadas, tenho certeza de que os primeiros Jogos Olímpicos do hemisfério sul serão um sucesso. Primeiro e sobretudo porque o Brasil é bom de festa. Alguns poderão dizer que este é apenas um estereótipo, o do país do carnaval. Mas estariam enganados. A peculiar história do Brasil resultou no desenvolvimento de uma tecnologia festeira sem igual em qualquer outra nação do mundo. O que os franceses são para o vinho, nós somos para as celebrações populares. Paris está para o amor como o Rio está para a festa. O brasileiro em geral e o carioca em particular sabem se divertir. E se me incluo nessa é porque, apesar das origens norte-americanas, já pulei muitos carnavais.

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Sentimos uma insegurança parecida com a de agora antes da Copa do Mundo. Acreditamos que poderíamos vencer no campo e fracassar fora dele. No fim, foi o contrário. O Mundial do Brasil será lembrado como uma das mais divertidas da história, menos para a seleção canarinho. Ao fim e ao cabo, a história dos Jogos Olímpicos será escrita, sobretudo, pelos atletas. É o que me ocorre enquanto vejo o escritor Marcelo Rubens Paiva pegar a tocha olímpica e partir em velocidade na sua cadeira de rodas. Mas fora dos campos, pistas, piscinas e das areias de Copacabana não faltarão momentos de poesia. Como esse na Avenida Sumaré. Bons jogos!