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Cuba se abre e redescobre o tênis na ilha

Após décadas de abandono, reforma de quadras bancada por ONG dos Estados Unidos leva otimismo a jogadores

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Por Nick Pachelli
Atualização:

As redes improvisadas eram uma maçaroca de fios e as linhas brancas já tinham praticamente desaparecido. A condição das duas únicas quadras de tênis usáveis daqui para a equipe nacional, composta de seis mulheres e doze homens, estava péssima depois de anos de negligência.

Porém, quatro meses atrás, graças a uma brecha criada pelas restrições menos rígidas no comércio entre os Estados Unidos e Cuba, uma ONG norte-americana se prontificou a reabilitar o Centro de Tênis Nacional Cubano, possivelmente a única estrutura da ilha que não faz parte de algum hotel ou resort.

Centro de Tênis Nacional Cubano, em Havana Foto: Lisette Poole|NYT

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Agora há dez quadras e o otimismo dos jogadores cubanos tem tudo para se desenvolver e expandir também. “Temos novas esperanças, mesmo que jogar tênis aqui seja bem complicado”, comemora Yusleydis Smith Diaz, 20 anos, considerada a melhor tenista do país.

Cuba acabou com a prática do golfe após a revolução de 1959, a mesma que levou Fidel Castro ao poder. Ele confiscou campos e proibiu o jogo. Embora o tênis, outra atividade praticada nos clubes de elite, não tenha sofrido ataque tão radical, viu a verba secar em favor de outras prioridades do governo, como beisebol, boxe, vôlei e os esportes nos quais Cuba passou a se destacar no cenário internacional.

“O tênis não tem o histórico inspirador de esportes como o beisebol, que contava com times de estivadores, trabalhadores braçais das plantações de cana, atendentes de loja no país inteiro”, explica Robert Huish, professor da Universidade Dalhousie, em Halifax, Nova Escócia, que pesquisa os esportes e programas sociais cubanos.

“A afiliação da elite com o tênis batia de frente com os valores da revolução. O regime queria mais era se livrar de qualquer histórico colonial e obviamente o esporte foi uma grande vítima disso”, acrescenta.

Porém, Raul Castro, que assumiu o poder integral em 2008, é visto como menos doutrinário. Com a retomada das relações diplomáticas com os Estados Unidos, em 2014, e a visita do então presidente Barack Obama à ilha, em 2016, os dois países exploraram as oportunidades de se reconectar em várias áreas, incluindo o esporte.

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Enquanto outras iniciativas – incluindo a permissão de entrada direta de jogadores de beisebol cubanos no draft da Major League – continuam amarradas por negociações inconsistentes, o renascimento do tênis foi agilizado graças a um ano de reuniões produtivas. “Começou meio complicado, cheio de detalhes, análises e estudos, mas conseguimos assinar o acordo”, comemora Jake Agna, diretor da Kids on the Ball, ONG norte-americana responsável pela reforma das quadras do Centro de Tênis Nacional Cubano.

Foto mostra os irmãos Orlando e Reynaldo Garrido, dois dos principais nomes do país no tênis. Foto: Lisette Poole|NYT

A organização enfatizou o aspecto humanitário da renovação do espaço e da revitalização do esporte. “Apesar de acreditar que o embargo menos restritivo tenha facilitado as coisas, nunca houve nenhuma conversa sequer sobre política”, revela.

A Kids on the Ball concordou em fazer o trabalho nas quadras e fornecer o material, equivalente a um contêiner inteiro de carga, a um custo estimado de US$ 750 mil (R$ 2,4 milhões pela cotação atual).

“As quadras são a realização de um sonho. Agora temos espaço para jogar”, vibra Alexander Ferrales Gonzalez, presidente da Federação Cubana de Tênis, divisão do Ministério dos Esportes cubano.

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Para ele, a recuperação das quadras é motivação mais do que suficiente para a criação de um programa de treinamento para um grupo reduzido e catalisador de uma maior participação no esporte em todo o país. A federação calcula que haja dois mil jogadores de tênis com aspirações competitivas na ilha.

Apesar disso, é o ministério, conhecido por Inder, que controla as decisões sobre recursos, verbas e viagens dos atletas para fora do país. “É complexo, mas as coisas sempre foram complicadas”, afirma Ferrales. “Nossos melhores atletas têm habilidade e potencial para eventualmente competir em turnês mundiais, mas temos de aumentar o número de torneios nos quais eles podem participar.”

Um de seus planos é buscar patrocínio para o programa de treinamento da seleção nacional. As fornecedoras de material esportivo Puma e Adidas há muito tempo apoiam outros esportes cubanos como o boxe, o beisebol e o atletismo. O tênis nunca teve apoio financeiro. “E tem outra coisa, o intercâmbio de jogadores é muito importante. Já fazemos trocas com a República Dominicana, Panamá e El Salvador, mas quero começar a trabalhar com os Estados Unidos.”

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RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS Tais aspirações, porém, podem ganhar corpo e/ou minguar, dependendo da aproximação entre os dois países. O governo de Donald Trump jurou mais rigidez em relação a Cuba, mas, até agora, praticamente não mexeu nas regulamentações revisadas do governo Obama.

“Tenho certeza de que nossos jogadores vão ficar entre os cem melhores do mundo. E, nesse momento, o atleta vai reconhecer a ajuda de todo mundo que se dedicou a tornar aquilo possível. Só precisamos que um tenha sucesso; os outros acompanharão”, diz Ferrales.

Mesmo assim, ainda é bem difícil para os jogadores participarem de torneios internacionais. Yoryana Delgado Herrera, jogadora número 2 entre as mulheres, verbaliza a frustração geral das cubanas. “Não conseguimos participar de mais de dois torneios por ano; aí não dá para alcançar a pontuação necessária para competir em outros. É um círculo vicioso”, lamenta.

A próxima disputa para ela e Smith será a Federations Cup, no Panamá, em junho. E aponta na direção das raquetes. Uma das cordas estava arrebentada. “Às vezes, tem bastante corda; outras, não há nada e temos que esperar. E, fora daqui, não há tênis em Cuba.”

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