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O duro caminho dos tenistas juvenis no Brasil

Longe do glamour, juvenis se apoiam na família e superam até fome no caminho até o tênis profissional

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Esqueça o glamour de Wimbledon, a entrada triunfal dos tenistas no ATP Finals e todo o entretenimento dos torneios norte-americanos. Deixe de lado também o placar luminoso, os boleiros com toalhas à espera dos tenistas e até o juiz de linha. No mundo dos jovens atletas das raquetes, isso é distante no Brasil. 

Placar até existe, mas é manual e atualizado a cada dois games, para não sobrecarregar os atarefados e raros pegadores de bola. Árbitro, só de cadeira, quando tem. A toalha fica pendurada no alambrado enferrujado ou no cadeado da quadra.

Gabriela Azambuja: tenista conta com a ajuda da mãe, que passou a fazer e avender bolos, para participar de torneios Foto: Cristiano Andujar/CBT

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Assim é a vida dos tenistas juvenis no País. Juntam-se lesões, falta de apoio, ansiedade e até fome. O brasiliense Paulo Saraiva se enquadra nesses casos. 

Nascido numa família humilde, de pai pedreiro e mãe diarista, o jovem de 16 anos se encantou pelo tênis num projeto social em Itapoã, cidade a 15 km de Brasília. O primeiro jogo foi em casa. “Paulo, você já viu filho de pobre jogando tênis?”, implicava a mãe antes de ceder. 

A entrada no circuito juvenil surgiu com o apoio do treinador. Antônio Lindoso identificou talento no rapaz. E deficiências na parte alimentar. “Percebia que, após uma hora de treino, ele começava a tremer.” Saraiva ia para o treino sem tomar café da manhã porque não tinha comida suficiente em casa. 

Lindoso, então, passou a dar frutas e verduras ao garoto. Ajudava com raquetes e bolinhas. Pagava para treiná-lo. Os resultados começaram a aparecer. Saraiva conquistou títulos locais e nacionais. Em 2016, tornou-se o número 1 do Brasil até 16 anos. Mas a boa colocação não evita os apuros de quem tenta romper o estigma de que tênis é um esporte elitizado. Em 2016, perdeu na estreia num torneio em Salvador. Como não tinha dinheiro voltar, ficou uma semana lá esperando a mãe juntar os trocados. “Treinava na casa de um amigo do meu treinador. E tinha um restinho de dinheiro para comer”, conta.

O técnico acredita em seu pupilo. No entanto, esbarra numa barreira econômica ainda maior nesta fase. É o momento da delicada transição do juvenil ao profissional, com as caras viagens e a necessidade de pontuar na Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), primeiro sinal de profissionalização do atleta. 

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Neste processo de transição, que é um grande funil para os aspirantes, Saraiva apostou numa “vaquinha online” no site Kickante. A meta era obter R$ 30 mil para um giro de torneios na Europa. Arrecadou R$ 9 mil. Conta agora com um mecenas na Espanha. Um experiente treinador conheceu sua história e ofereceu estrutura para treiná-lo gratuitamente. Mas os custos de viagem e hospedagem ainda pesam sobre o jovem brasileiro.DO BOLO À BOLA A busca por recursos é tão exigente que mobiliza famílias mais abastecidas. É o caso de Gabriela Azambuja. Filha de um promotor de Justiça, a jovem de 17 anos é de Palmas, no Tocantins, mas mora e treina em Itajaí (SC), a quase 2 mil km de distância de casa, na ADK Tennis, que vem se tornando celeiro de jovens tenistas no País.  Os recursos do pai, contudo, não são suficientes para bancar a menina em torneios na América do Sul e os custos da família, que conta com a mãe, dois irmãos – um deles na faculdade – e um neto. A mãe Mery Azambuja, dona de casa, aprendeu a fazer bolos e começou a vendê-los para ajudar a filha tenista. “Aprendi só para poder vender e ajudá-la. O patrocinador oficial agora sou eu”, brinca.

Com os esforços, Gabriela começou o ano como número 1 do juvenil brasileiro. Longe de casa e do clube onde treina, seu maior desafio aconteceu fora da quadra. Sem recursos para viajar de avião, precisou de três ônibus e dois dias de viagem para voltar de Punta del Este no ano passado. Viajou sozinha, então com 16 anos, sem a companhia do treinador. Mas a experiência e os pontos fizeram a “aventura” valer a pena. “Fui vice-campeã daquele ITF”, comemora a jovem tenista, com suas unhas azuis e jeito de menina. 

“Mais da metade dos meus custos é bancado pelos meus pais. O tênis é um esporte caro, né? É muito sacrifício da família. Meus pais abrem mão dos sonhos deles para bancar as minhas viagens. Mas, se Deus quiser, esse sacrifício vai valer a pena”, comenta a jovem Gabriela.

O mineiro João Ferreira, tido como promessa, compartilha desta preocupação. “Minha família sempre me ajudou. E, às vezes, isso até acaba me gerando ansiedade nos jogos, para dar uma contrapartida ao sacrifício deles”, diz o tenista de 16 anos, filho de pais dentistas.

O começo é difícil. Gustavo Kuerten penou antes de estourar em Roland Garros. “Foi nesta transição, quando estava entre os cinco melhores do mundo, que perdi o patrocínio. Nos seis meses seguintes, perdi para todo mundo, sem confiança. O Larri (Passos) me botava para treinar na marra e me fazia acreditar”, contou Guga ao Estado.

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