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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Depois da mamata, sonhos e riscos

Carles: Eu vejo a volta de um clube grande à máxima categoria, como quem assiste a um filme projetado ao contrário, com todo mundo caminhando de costas, como tentando pisar nas próprias pegadas para desfazer o vexame. Alguns inclusive tropeçam, e a sensação deve ser de tirar um grande peso das costas, uma obrigação com algumas toneladas. Será que, além de tudo, significa sempre uma reconciliação com a torcida?

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: No caso do Palmeiras, parece que não, porque há muita desconfiança quanto ao futuro do time. Nem tanto pelas vaias que os jogadores receberam ontem, depois do empate contra o São Caetano que garantiu o acesso à Série A, principalmente porque as vaias partiram da torcida organizada que não recebe mais ingressos da diretoria e, por isso, destila, na vitória e na derrota, sua intolerância por perder esse privilégio sem sentido. O problema é que as projeções dos próprios dirigentes não são animadoras e, convenhamos, ganhar a Série B com mais um mês de antecedência não significa exatamente uma proeza no aspecto técnico. Tem sido assim com todos os grandes que descem ao inferno.

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Carles: Isso significa que o esforço demandado pela Segundona é, mais precisamente, mínimo? Se é assim, poderia ter servido para reorganizar as ideias e, se as circunstâncias não permitem grandes arroubos para o projeto de volta, no mínimo, pensar em algo adequado, que permita ao menos fazer a transição. Você já me contou aqui que a construção do novo estádio não representa um excessivo ônus aos cofres do clube. Então qual é o problema? Não esvazia as arcas mas ainda não arrecada?

Edu: A atual direção herdou problemas financeiros complicados, o elenco era grande, fraco e, pior de tudo, caro. Obviamente que uma queda de categoria leva a uma reestruturação financeira e de pessoal, mas o tanto que o time piorou vendendo jogadores, no contexto da Segundona, não fez diferença, porque a Série B é uma tremenda mamata e mesmo com um elenco médio o Palmeiras ainda assim era muitíssimo melhor que o resto dos adversários. Portanto, a campanha foi numericamente muito boa, o que poderia enganar a direção e os torcedores. Mas não enganou, o que é bom. Será um recomeço diferente agora, com obstáculos bem mais sofisticados. E quanto ao estádio, há uma disputa com a construtora, provavelmente haverá algum gasto logístico aqui e ali, mas não deve ser nada significativo. O problema para o ano que vem é realmente de nível técnico, se não houver investimento. O clube corre o risco de ter um estádio novinho e um time meia-boca.

Carles: É o problema de sempre, a traumática passagem de "cabeza de ratón a cola de león", com se diz por aqui. Não sei o que é pior de enfrentar, os times de primeira ou uma construtora. O estádio, imagino, na linha da arena multiuso, deve significar a possibilidade de uma receita interessante, não dependente de uma única fonte, ou do interesse que o time possa despertar. Suponho que tenha uma zona comercial, vai albergar eventos e tudo mais. Ou a ideia é que o campo seja unicamente para os jogos do próprio time em casa?

Edu: Nesses estádios que são praticamente propriedade das empreendedoras, construídos sob contratos nunca bem explicados, normalmente não ficamos sabendo como anda a coisa financeiramente, quem vai lucrar com o quê, quanto, de que forma... Estádio lindo e transparência zero. Os jogos serão só do Palmeiras mesmo, mas e os shows e outros eventos? Como a marca é Palmeiras, claro que o clube receberá algo, mas não se sabe o tamanho desse retorno, se terá impacto no orçamento direto, se servirá como apoio administrativo à gestão do time. Supõe-se que sim, mas, historicamente, os estádios próprios demoram alguns anos para começar a dar lucro de fato.

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Carles: Sei que vivemos tempos em que o tamanho do investimento num time é quase sempre decisivo para a sua capacidade ganhadora, mas sempre tem a possibilidade de um projeto menos ambicioso, baseado no garimpo de jogadores pelo interior, por exemplo, onde, eu entendo, o Palmeiras sempre despertou muita simpatia. Estou sonhado acordado, ou essa seria uma alternativa de uma temporada digna?

Edu: Está mais pra sonho mesmo. Depois de ter visitado a Segundona duas vezes na mesma década, suponho que a torcida do Palmeiras - além da cartolagem, que nesse clube é bem intransigente - não vai aceitar medidas pela metade. Ainda mais porque será o ano do centenário do clube. Mais do que isso, o Palmeiras não tem sido feliz com 'garimpos', muito pelas péssimas escolhas de treinadores que fizeram uma política de terra-arrasada nos últimos anos, entre os quais, sem dúvida, Luxemburgo e Scolari, para lembrar dos mais célebres. Ao Palmeiras, no ano de seu centenário e depois de padecer na Segundona, só resta fazer um grande time. Sua comunidade fanática não aceitará nada menos do que isso.

Carles: Pelo que você me conta, sem dinheiro, sem perspectivas de arrecadação, sem trabalho de base, só resta a opção da parceria, como nos tempos de Parmalat? Ou aí, em vez de roleta russa, é diretamente um suicídio?

Edu: Parceria naqueles termos paternalistas nem pensar, porque os tempos são outros. Mas o Palmeiras é um time que tem estrutura, tem torcida, tem até uma base razoável, bons patrocínios e, agora, vai inaugurar uma nova arena. Ou seja, os principais elementos estão aí por mais crise que exista. Basta, como sempre, razoável competência na gestão, o que é de longe o maior obstáculo.

 

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