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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Diego Costa no olho do furacão

Carles: Olha, parece que a coisa se complica com a eventual disponibilidade de Diego Costa para jogar pela Roja. Se existe algum vazio legal ou alguma especulação para aumentar a expectativa eu não sei. Parece que a coisa não vai ser tão simples, estão falando até em núcleos de poder de ambas as federações dentro da Fifa para ver quem leva. Será que isso não vai descambar numa daquelas histórias de casuísmo e acabaremos tendo uma "Lei Costa"?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Uma "Lei Costa", similar à Lei Bosman sobre a livre circulação de jogadores pela Europa, poderia ser o pior ou o melhor dos mundos, depende da ótica. Do lado de cá, há duas hipóteses para esse impasse. Primeiro, a Comissão Técnica da Seleção Brasileira pode (eu disse 'pode') ter instruído a CBF a levar essa história em banho-maria, enrolar a Federação Espanhola e a Fifa até onde der, para ganhar tempo e ver evolução técnica real do Diego Costa, antes de uma definição. A outra é que ninguém tem interesse por aqui no Diego Costa, mas ao mesmo tempo não tem nenhuma vontade também de apressar as coisas para favorecer a Espanha. Se Diego e a Espanha quiserem, porém, a CBF não pode fazer nada. Parece que ainda falta um documento da CBF afirmando que o jogador nunca atuou em nenhuma competição oficial por uma Seleção Brasileira de base, mas isso é questão tempo porque, se a Fifa pedir, a CBF é obrigada a fornecer a tal declaração.

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Carles: Quanto à posição do corpo técnico, fico com a sua versão de que eles estão fechados com os atacantes da Confecup, portanto, salvo algum imprevisto, Diego estaria fora. Claro que a CBF sabe que está obrigada a responder e reconhecer o direito do jogador a escolher. Mas ao mesmo tempo tenho a impressão que o coloca numa situação complicada, obrigando-o a declarar uma preferência publicamente, não o desejo de vestir a Roja que isso todo mundo por aqui agradece e ninguém no Brasil veria como algo negativo. É mais uma opção profissional, e acredito que isso é compreensível. O problema é um "não" velado à Seleção Brasileira, um "não" que na verdade nem seria dele, mas uma decisão pactuada, em função de uma suposta conversa com a comissão técnica do Brasil. Também não acho que eles devam ter fechado todas as portas, mas certamente não deram a certeza, com a firmeza necessária.

Edu: Mas isso, uma declaração firme e transparente, não iria mesmo acontecer, nem vai, nem mesmo por parte do Diego. O que está cada vez mais evidente é a tentativa de 'espetacularizar' esse episódio, algo em que as mídias dos dois países estão apostando. Basta ver que uma matéria capciosa do Diário AS, dando conta de que a CBF estaria 'bloqueando' a convocação do Diego pela Espanha foi reproduzida aqui no Diário Lance. E tenho lido também, nos jornais daí, estranhos argumentos contra a convocação, com o tom nacionalista de sempre, uns dizendo que a Espanha tem jogadores de sobra e não precisa de nenhum estrangeiro, e outros, bem mais hipócritas, dizendo que o próprio Diego pode se arrepender mais tarde de renunciar a seu país, como se a preocupação deles fosse o bem-estar do jogador.

Carles: Os jornais conservadores daqui, você quer dizer, tal e como já intuíamos, não? Imagino que você já esperava a manifestação nefasta dessas correntes, resíduos putrefatos de um passado político não muito digno. Essa também é uma fórmula para botar mais lenha na fogueira especulativa. O fato é que não é um caso inédito, já tantos jogadores, com uma maioria esmagadora de brasileiros, foram nacionalizados e defenderam uma porção de seleções, das mais triunfadoras às mais modestas. Por aqui, os casos de Donato, Catanha e Marcos Senna são notórios, sendo este último um dos destaques da Seleção Espanhola na Eurocopa 2008. O problema é que agora envolve duas das seleções candidatas ao título e isso naturalmente, vende jornal. É obvio que existe gente se preocupando com o jogador, nem que seja por manter o nível de motivação dele, que tem sido uma das grandes atrações da Liga.  Tem mais, eu acredito sim na preocupação que assombra Del Bosque por ter que assumir a responsabilidade de chamar o Diego agora, e com isso criar um compromisso moral de uma futura convocação para a  Copa. Mesmo que todo o resto de declarações públicas possa ser pura hipocrisia, confesso que o homem me passa essa confiança.

Edu: Essa é a encruzilhada do Diego, porque, seja para que lado ele for, não tem nenhuma garantia de que estará na Copa, nem do pessoal daí (como, aliás, Del Bosque já afirmou), muito menos daqui. Nesse ponto, ele é quem tem mais a perder, porque o risco para a Seleção Brasileira de ver um jogador nacional fazendo sucesso por outra seleção é calculado. Felipão sabe que vai ser cobrado por isso, se Diego arrebentar na Copa com a camisa da Roja, mas é um risco que ele quer correr por preferir outros jogadores, que também podem ser decisivos a favor do Brasil. O fato é que, na convocação que Del Bosque fará hoje, Diego ainda não poderá estar, certo?

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Carles: É o que parece, não haveria tempo hábil para tramitar toda a papelada, com um parecer favorável. A consulta à Fifa já foi feita tem alguns dias, agora é a CBF que tem que liberar e, se fizesse isso, estaria pensando no futuro profissional de Costa. Afinal é isso, uma profissão! Repito que a liberação de verdade deve ter sido ou será acordada verbalmente, entre as três partes. A documentação é só a confirmação de algo que os interessados já devem saber. Se a CBF não liberar, suponho que pelo menos existirá uma promessa de que ele será levado em conta para as futuras convocações da Seleção Brasileira. Por outro lado, Diego Costa é um jogador versátil, forte, com muitas qualidades mas realmente é pouco provável que seja o mais decisivo da Copa. Espero que craques como Isco, Iniesta, Navas, Silva, Casillas, Valdés, Jordi Alba ou até mesmo Michu, Illarra, Jesé e Thaigo Alcântara, possam ser decisivos. E esses já fazem parte da lista de convocáveis. Só dependem do Marquês.

Edu: Ok, mas insisto: a CBF não tem o poder de impedir a liberação de ninguém, porque a opção é exclusiva do jogador. A CBF pode protelar a documentação, lançar mão da burocracia, agir politicamente, fazer lobby na Fifa e o diabo. Mas nunca vai conseguir impedir Diego Costa de entrar para a Família Del Bosque. A não ser que Felipão tenha uma luz e chame o rapaz.

Carles: Exato, ninguém pode obrigá-lo a jogar onde ele não quiser, mas podem entorpecer bastante. Ou seduzi-lo. Inclusive porque até existe a possibilidade de que nem seja coisa do Felipão. Um exemplo pessoal. Pelo menos que eu saiba, não temos na família nenhuma estrela internacional de futebol, mas algum ou outro com dupla nacionalidade, e a recomendação das autoridades brasileiras ultimamente tem sido a de viajar com o passaporte da nacionalidade original, com direito a sermão nacionalista e patriótico. Ao que parece existe um empenho em eliminar as vantagens em dobro (e obrigações idem, dependendo do ponto de vista). Eu pensei que era mais do que evidente que as nacionalidades e as fronteiras eram uma herança de reinos medievais, mas parece que persiste a vontade de incrementar os sistemas de controle sobre os cidadãos.

Edu: É bom lembrar que Diego Costa foi tema do primeiro post do 500 a.C., dia 2 de fevereiro, quanto quase ninguém se preocupava com ele. Podemos nos considerar um pouco padrinhos dessa história.

Carles: Bem lembrado. 500 a.C. considera Diego Costa, Isco e algum outros craques praticamente "descobertos" aqui, como uma espécie de afilhados e, mais que ninguém, queremos vê-los jogando na Copa, pelo time que for.

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