PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

La Roja perde seu criador

Carles: Morreu um pedacinho do futebol espanhol vencedor.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Um senhor pedaço. A gente pode dizer sem medo de errar que Luis Aragonés foi o inventor da Roja?

PUBLICIDADE

Carles: Sem dúvida, La Roja é uma criação do 'El sabio de Hortaleza', logo ele, um treinador que sempre pareceu mais ligado ao jeito 'Fúria' de ser.

Edu: Mesmo sem jamais ter sido uma unanimidade. Muito antes desse fim glorioso de carreira com o título da Eurocopa de 2008 e a gênese do time campeão do mundo, foi personagem central de vários episódios pouco abonadores, vamos dizer.

Carles: Entre outras coisas foi taxado de racista, machista, de politicamente incorreto...

Edu: E arrumou problemas com muitos craques, em especial estrangeiros.

Publicidade

Carles: O famoso "Mírame a los ojitos" desafiante com personagens nada fáceis como Romário ou Eto'o. A polêmica com Thierry Henry...

Edu: Tinha tudo, menos sutileza. E era um clássico da Espanha profunda.

Carles: Conheci Luis no Valencia em 1996, na época de Romário e de Otero. Ele tratava os dois de forma igual, bom, provavelmente um pouco melhor a Otero, síntese do futebol jogado mais na canela do adversário, duro e obediente taticamente. Aragonés era um sujeito autêntico, legítimo, sem filtros, produto da Espanha "campechana".

Edu: Pois eu conheci em 1987, quando era técnico do time com o qual tinha maior identificação, o Atlético de Madrid (onde aliás ele conseguiu seu único título da Liga). Naquela época, o 'sábio' vinha de quatro temporadas em sequência no Atlético e comandava um time que tinha figuras como o português Paulo Futre, cérebro da equipe, e o volante brasileiro Alemão. Já então era uma metralhadora, atacava principalmente os treinadores estrangeiros que estavam chegando à Espanha e defendia com unhas e dentes seu modo um tanto tosco de montar a equipe - nem sombra do que seria a seleção da Espanha anos depois. Por coincidência, deixou o Atlético (rumo ao Barcelona) e foi substituído por um treinador com estilo oposto ao seu, César Menotti. E no ano seguinte, à frente do Barça, foi um fracasso.

Carles: Repentinamente na seleção, e justamente um sujeito com esse jeitão pouco afável, agressivo até, foi o responsável por uma revolução que modernizou e deu personalidade ao futebol espanhol. Eu tenho uma teoria de que muito dessa mudança tem a ver com o seu auxiliar José Armando Ufarte, um espanhol de nascimento e que como jogador esteve antes no Corinthians e Flamengo e depois, Atlético de Madrid e Racing Santander. Que conquistou muitos títulos como treinador das seleções espanholas de base. É uma teoria pessoal. Mas Aragonés teve o mérito de retificar, de rever posições e por isso é o principal responsável pela grande e histórica mudança  do futebol espanhol. Seus jogadores, incluindo Samuel Eto'o, diziam que era um motivador como poucos.

Publicidade

Edu: Naquele time de 2008, a mudança foi radical e os próprios jogadores que estavam lá reconhecem que o maestro da transformação foi Aragonés. Outro dia mesmo, em entrevista por aqui, Marcos Senna - o brasileiro que chegou ao auge de sua carreira disputando aquele título pela Espanha - dava todo o crédito do estilo da equipe ao treinador. E como João Saldanha fez com o Brasil de 70, o velho Aragonés deixou tudo pronto para Del Bosque ser campeão do mundo. Ou é exagero dizer isso?

PUBLICIDADE

Carles: Ele sem dúvida foi o mentor por ter dado poder aos baixinhos "jugones" e romper simbolicamente com o passado, quando deixou de fora o grande ídolo e capitão Raúl González. Manteve grande parte do grupo de jogadores da Copa de 2006 para a Eurocopa de 2008. Por essas e outras ele é um sujeito incômodo e não entra bem nesse papel de embaixador institucional que tem encarnado o Del Bosque, comportado e diplomático diante das câmeras.

Edu: Não mesmo. Aliás, lembro bem dos enfrentamentos dele com a mídia, uma crispação do início ao fim das entrevistas, campanhas e mais campanhas contra ele nos jornais, principalmente por sua postura nada suave.

Carles: Ele não tinha o menor problema em ser pouco agradável, aliás como tampouco foram Clemente ou Camacho, todos, digamos, espanhóis na essência. A diferença é que Aragonés era muito querido no vestiário, inclusive pela sua sinceridade.

Edu: "Me gustaría que la selección tuviera un nombre, una identidad. Igual que Brasil es la canarinha o Argentina la albiceleste, me gustaría que España fuera La Roja", disse Luis com sua particular sabedoria.

Publicidade

 

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.