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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Lições de postura e liderança

Carles: Tudo indica que Xabi Alonso vai mesmo embora do Real Madrid. E por decisão pessoal, apesar de que sua renovação foi considerada publicamente por Ancelotti como o melhor presente de Natal que poderia receber, de que em teoria lidera o grupo de jogadores do Madrid de bem com o establishment e de que é idolatrado pela torcida. O que se soube através de gente próxima a ele é que a verdadeira intenção do Tolosarra é a de recuperar, pelo menos em parte, uma 'vida convencional', impossível até de se imaginar sendo parte do "club blanco".

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Será esse mesmo o motivo? 'Vida convencional'? Depois dos últimos anos com Mourinho e Florentino, fica essa impressão de que quase tudo no Madrid é pesado, dissimulado e difícil de levar. Será que é assim com todos os jogadores ou é uma visão dos inimigos morais da "casa blanca", que não são poucos? Xabi Alonso me parece bastante à vontade com aquela camisa, já era assim com o português como treinador e ainda mais agora com Ancelotti fazendo adulações e elogios diários a ele. Talvez por sua origem e também por sua experiência britânica, Alonso, isso sim, dá a impressão de ter total controle da situação e nunca se abalar com o que ocorre fora de campo. É fleumático, sem que isso prejudique sua técnica e concentração. Não fica muito claro, aqui de longe, que ele esteja descontente e queira sair, mas não temos os mesmos valores e pontos de vista que vocês para julgar esse tipo de comportamento.

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Carles: Sim, ele é assim mesmo como você descreveu, mas sempre foi, coisa de guipuzcoano, que com o perdão do atrevimento à comparação, todas odiosas, é um tipo de basco com uma pitadinha mais de soberba, se cabe. Claro que a passagem por Liverpool deve ter recondicionado o bom do Xabi. Justamente por ele se sentir à vontade cumprindo suas obrigações profissionais é que é esse tipo de sujeito raro, principalmente no Planeta Futebol, consciente de que inclusive vale a pena perder algo para ganhar muito e isso se traduz como qualidade de vida, incluindo uma distância prudente das rotativas que se manifestam em castelhano.  Não que os diários britânicos deem muito mais trégua mas, lá, ele é um estrangeiro, com menos peso da que adquiriu na capital do Reino de Castilla. Provavelmente, ajuda o fato de que ele será consciente de que abre o último capítulo da sua carreira e, para ir à Copa, essa distância pode ajudar bastante.

Edu: Pelo jeitão, arrisco dizer que ele fica ao menos mais uma temporada no Bernabéu. E se é uma questão de postura pessoal, veja a diferença com Víctor Valdés, que desde o primeiro dia mostrou seu descontentamento, não talvez com o clube, mas com uma espécie de estagnação que ele quer evitar no pedaço final de sua carreira, mais longa que a de Xabi por conta da posição em que joga. Diga-se, mesmo falando reiteradamente que vai sair, Valdés tem sido exemplar defendendo a camisa do Barça e também as demais posições do clube, como agora, ao criticar uma suposta 'campanha' para denegrir a direção, a família Messi, o estilo do time etc.

Carles: Bem lembrado, Víctor e Xabi, por mais que se discorde da filosofia ou ideologia de algum dos dois, são desses personagens que dificilmente poderão ser criticados por um deslize ético ou uma contradição mais além das intrínsecas ao gênero humano ou ao ser social contemporâneo. Não que isso evite que Victor responda a uma oportunidade de, publicamente, deixar claro que ele deixa o Barça, sem abandonar o clube pelo qual ele tem o maior carinho, mas sim uma instituição que ficou irreconhecível para a maioria de culés. Mas, claro, é sempre mais fácil decidir abandonar uma relação profissional do que uma afetiva e por isso uma grande maioria da torcida segue apoiando o time, mesmo pensando como o goleiro. Doa a quem doer, tanto Madrid como Barça vivem uma crise de convicção neoliberal. E, como diz o ditado, os incomodados que se mudem.

Edu: Mas veja como o torcedor tem sensibilidade, algo que muitos jogadores e principalmente dirigentes ignoram olimpicamente. Com os devidos descontos e proporções, é o que cria vínculos eternos de certos jogadores com seus clubes, ainda que essas crises se sucedam e os ciclos terminem. Vemos muito disso por aqui também. Ou você tem dúvida de que Valdés será sempre ovacionado no Camp Nou, mesmo jogando pelos adversários? O mesmo vale para Xabi e tantos outros, embora também existam muitos que não deixam a menor saudade, justamente por não valorizar esses vínculos.

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Carles: Não tenho a menor dúvida, porque torcer para um clube não é deixar de ser crítico com a instituição, seja torcedor ou empregado. Nem sempre é preciso abandonar o clube, mas às vezes, pelo visto, isso é inevitável. Os vínculos, no caso dos dois em questão, são distintos, Victor é prata da casa e conseguiu se transformar naquela figura que você gosta de destacar como jogador-bandeira, enquanto Xabi tem as suas origens mais ligadas à Real Sociedad, mas também conseguiu passar a ser parte importante e provavelmente inesquecível das páginas do Madrid. No relacionamento do dia a dia, as pessoas mais próximas costumam dizer de ambos que são sujeitos fáceis de lidar. Quiçá isso confirme que são mesmo avis raras.

Edu: Por isso são lideranças positivas naturais, extremamente saudáveis para qualquer atividade humana e vitais para o futebol. O sujeito se impor pela personalidade e pela competência, nunca por autoritarismo, pelo salário alto ou pela soberba, é sempre uma lição de convivência civilizada.

Carles: Parece que só Florentino e Rosell não dão a devida importância a isso.

Edu: Deixa esses caras pra lá.

 

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