Edu: Tem ao menos dois grandes perigos aí e ambos dizem respeito ao que será Rooney no vestiário se essa história se confirmar. Primeiro ele já é diferenciado porque ganha muito mais que os colegas - agora pode chegar a 300 mil libras por semana, de acordo com o Guardian. E, segundo, porque para o resto do elenco ele sempre será uma figura indefinida. Na hora da crise, de que lado estará Rooney, do time ou da instituição?
Carles: Entendi então que para você não é uma boa "solução", seja pelo poder excessivo a quem na verdade não faz parte da cadeia de mando da instituição ou pelo risco de quebrar o equilíbrio dentro do vestiário. Mesmo se tratando de um dos clube mais profissionais do mundo?
Edu: São até saudáveis essas tentativas de mudança de gestão de pessoal no futebol, pode ser um começo de algo interessante, mais transparente e que vai premiar o sujeito que cria vínculos com o clube - aquilo que já comentamos sobre o jogador-bandeira. Mas é terreno minado ainda, precisa ser uma providência gradual, não pode ser apenas um motivo de sedução para segurar o cara no clube.
Carles: Projetada essa situação ao nosso território, enquanto o Barça insiste em desmentir que a sua estrela Messi tenha voz e voto nas decisões esportivas do clube, no máximo rival, Florentino parece empenhado em cortar as asinhas de Casillas e Ramos. Você imagina o presi merengue consultando os capitães sobre a contratação de Bale, por exemplo - como parece ter acontecido em Manchester, antes da contratação do espanhol Mata - se já é difícil que ele consulte o próprio treinador...
Edu: Não tenho detalhes sobre a relação de Rooney com o United, mas imagino que seja parecida com a de Puyol com o Barça, ou Casillas, como você lembrou (talvez Raul fosse mais ainda). E também tenho restrições quanto ao nível de poder que esse líder recebe. Os mais novos sempre terão medo, essa é a verdade. Aliás, acho que um garoto que chegue ao Barça deve ter um certo receio em sequer se relacionar com Puyol ou Xavi. E assim em todos os grandes clubes.
Carles: O papel reservado a Rooney, tenho a impressão, significa um passo adiante nesse processo de delegação de poder ao vestiário. Nos casos de Barça e Madrid é algo mais simbólico ou, pelo menos, menos oficial. Inevitavelmente haverá os que interpretarão essa situação como a consagração da figura do traíra ou do pelego a serviço da direção. Mas acho que tem até outra possibilidade, a de poder ser o início de uma conquista, uma espécie de representação de uma categoria que, afinal de contas, tem muitíssimo peso dentro da instituição e é decisiva no seu prestígio.
Edu: Pode ser, sim, concordo. Mas, como em toda a relação de confiança, a figura do traíra é clássica e inevitável, mais ainda nesse meio competitivo, em que celebridades convivem com operários diariamente, pelo bem e pelo mal. Qual será o real interesse de Rooney? Fazer história no Manchester como o jogador que por mais partidas defendeu a camisa do clube? Ou funcionar como um para-raios no vestiário, que pode ser tanto um líder de verdade, produtivo, quanto um moleque de recados? Talvez quando isso for mesmo uma conquista social, e não uma tentativa mesquinha de seduzir o jogador para convencê-lo a não se transferir para o rival, as coisas funcionem bem. Em princípio, duvido dessas boas intenções da 'Família Manchester'.
Carles: Principalmente considerando que isso seria inimaginável com o vovô Fergie na primeira linha de comando.
Edu: Pelo que a reportagem diz ele chegou a pedir maior 'protagonismo' nas entranhas do clube ao escocês mal humorado, quando era técnico, e ouviu uma resposta que tem a cara do vovô: "Trate de jogar futebol".
Carles: O que pode significar que o que David Moyes esteja buscando mesmo sejam algumas alianças estratégicas dentro do clube.
Edu: Pela colocação do time na tabela, anda precisando.