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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Neymar e o inverno que virá

Carles: A chegada modorrenta e mal humorada de Neymar ao primeiro treino do Barça depois da data Fifa, somada ao seu desempenho no jogo contra o Granada, poderia ser facilmente explicada pelo cansaço provocado pelas absurdas viagens para jogar com a Seleção. Mas também pode dar certa razão a algumas teses periféricas da imprensa de que a volta triunfal de Robinho reconduz o velho espírito reconhecido pela malemolência e malandragem à Seleção. O que parecia enterrado principalmente pelo grupo que venceu a Confecup.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Li algo a respeito por aqui, mas me pareceu bastante preconceituoso. Só porque David Luis e William fizeram uma dancinha no jogo contra Honduras e por Robinho ter comemorado seu gol contra o Chile ao lado de Neymar com outra dancinha, já surgem as velhas opiniões rançosas. Por favor, foram amistosos de fim de ano...  E acho mais precipitado ainda associar essa questão a Neymar, que em nenhum momento nestes quase quatro meses de Barça vacilou ou se dosificou, como outros fazem no próprio time catalão. Ao contrário, ficou bastante irritado quando foi substituído. Não foi bem contra o Granada? Pode ser, mas fez um primeiro tempo honesto e somou mais uma assistência para sua conta. E pela primeira vez começou jogando no meio do ataque e não saindo em diagonal da ponta para o meio como em outros jogos sem Messi, o que deve ter causado alguma estranheza para ele. Associar a volta de Robinho à reincorporação do espírito de Macunaína, da preguiça, a essa Seleção é forçar demais. Entre as coisas boas desse time está justamente  a aversão à preguiça.

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Carles: Bom, então num principio, ficamos com a teoria do cansaço acumulado pelos jogos seguidos e, principalmente, pelas horas de voo. A posição reservada por Tata a Neymar contra o Granada, lembremos, é a que os compatriotas reclamavam para ele, desprezando o que eu considerava uma zona mais confortável e não secundaria. Algumas vezes ele já tinha aparecido pelo centro, partindo um pouco mais de trás. Só que, desta vez, o Barça jogou menos pelo chão, voltou ao jogo direto e por isso Martino se mostrou irritado com as críticas ao estilo de jogo, segundo as tais apreciações, despersonalizado. Jogando assim, o time pula justamente a zona em que jogou Neymar e se ele se adiantar para poder participar mais, enfrenta o que eu já apontei como a sua maior deficiência, ter que atuar à frente da linha da bola. Literalmente ele não sabe jogar de costas para o gol, nem receber o último passe como o típico centroavante. Desculpem-me mas aí ele vira um jogador comum. Depois, se quiser, voltamos à questão do Robinho e as assombrações do passado.

Edu: Não me parece que cansaço afete muito Neymar. Nem acho que o Tata queira que ele jogue de costas para o gol, até porque Messi não joga, nem sabe jogar assim também. No primeiro tempo ele fez o papel literal de Messi, triangulou com os meio-campistas, arrastou alguns beques com ele, foi visto muitas vezes no centro de campo, alternando com Cesc e até com Iniesta, que se infiltrou muito, tanto que foi protagonista. E a diferença em relação à mobilidade do Neymar ficou evidente: uma coisa é ter liberdade de atuar pelo meio ou pela ponta e outra é ficar só pelo meio, onde os adversários podem concentrar vários jogadores. Seria exigir demais que ele, em seu primeiro jogo desde o início nessa posição, já arrebentasse com a defesa do Granada, se bem que é compreensível esperarem sempre o melhor Neymar em todos os minutos. Mas, mesmo assim, arrisco a dizer que, com mais alguma prática, ele vai desequilibrar por ali, vai achar um jeito. Não concordo de forma alguma: Neymar nunca será um jogador comum.

Carles: Provavelmente não, mas para isso ele vai ter que aprender a jogar nessas condições, nas condições em que o melhor Messi se consagrou como o maior jogador do planeta e não só triangulando, mas, principalmente, aplicando seu jogo de fintas curtas, com a bola colada ao pé, mesmo estando já exposto à maior vigilância possível de uma horda de truculentos adversários. Nessas condições adversas, o argentino ganhou quatro Bolas de Ouro, três Chuteiras de Ouro e muitos títulos para o seu clube. É provável que Neymar, a partir do próximo jogo, não conte com a benevolência da comunidade culé, acostumada e tolerante com os efeitos do vírus Fifa. A partir da Amsterdã Arena, começa uma nova era para o brasileiro, em que vai ter que demonstrar não só que é um craque,  porque isso todo mundo já sabe, mas que consegue suportar a pressão de uma comunidade orgulhosa de ter até pouco tempo o melhor time do mundo e que agora aspira a pelo menos, ter um dos oito melhores. E, por enquanto, sem Messi.

Edu: Isso de não contar com a benevolência da comunidade culé é algo mais do que esperado, mais cedo ou mais tarde, porque tem sido assim ao longo dos anos, não importa o que o sujeito tenha feito de bom. Mas me estranha esse principio de julgamento/condenação a Neymar por causa de 60 minutos contra o fortíssimo Granada. Isso vale mais do que ganhar o jogo sozinho em Glasgow? Vale mais do que ter dado nove assistências em 15 jogos? Vale mais do que ter sido a válvula de escape do time nas horas mais baixas destes últimos meses? Sinceramente, não tenho nem nunca terei a menor intenção de comparar Ney com Messi diretamente, seria covardia com um e com outro, porque surgiram em momentos diferentes, foram formados em estruturas diferentes e têm um abismo entre eles em matéria de experiência - basta ver quantas partidas de Champions o argentino disputou. Agora, se isso for ignorado pela comunidade culé, paciência. Não será a primeira vez.

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Carles: Bem vindo à realidade, e não só do futebol e muito menos do Barça. O que se fez fica no passado e permanece a obrigação de se matar um leão por dia, é a lei da selva. Não foi minha intenção comparar Neymar com Messi, mas alertar do peso que agora, com a ausência do argentino, recai sobre Neymar, que vai deixar o relax do início em que os focos não estavam sobre ele. Primeiro porque podia compartilhar estrelato com Lionel e, segundo, pelas trapalhadas de Florentino com Gareth que desviaram bastante as atenções dos meios sedentos de sangue. Nesse contexto, Ney teve certa tranquilidade para poder impor o seu jogo e surpreender muitos dos desinformados catalães e espanhóis. Com isso, também aumentou a expectativa sobre ele mesmo, que agora vai ter que cumprir em dobro. Tem um último detalhe, tradicionalmente esta é a época do ano em que o rendimento dos brasileiros no futebol europeu costuma cair um pouco, principalmente nas primeiras temporadas, desacostumados com o clima. Tudo isso vai jogar contra Neymar e se ele for capaz de superar tantos adversários - não me refiro só aos do campo -, provavelmente chegará ao nível de Messi no Olimpo culé. Caso contrário, vocês terão mais argumentos para alimentar a eterna fábula da ingratidão blaugrana com os brasileiros.

Edu: Fábula? Basta ver quantos craques megapremiados - e não só brasileiros - saíram pela porta dos fundos do Camp Nou. Mas, como já disse, é natural esperarem o melhor Neymar em cada um de seus minutos em campo, não tem perdão para um brasileirinho que ocupa o manto blaugrana. Xavi pode ter suas horas baixas à vontade, Iniesta pode ficar dois meses sem fazer uma jogada, é normal. Neymar deve saber disso e deve saber também que o inverno virá. E, quanto à Seleção Macunaíma, hoje o Brasil não é Robinho, que fique claro até para os nossos paisanos preconceituosos. O Brasil é Neymar, para quem preguiça é peça de ficção. A Seleção até tem outros problemas que foram bem disfarçados pela conquista da Confecup, mas definitivamente não é esse.

Carles: A tese da busca da "muiraquitã" é tão absurda quanto moralista, porque na verdade defende uma Seleção Brasileira descaracterizada, desvestida de suas melhores tradições, que incluem a alegria durante o jogo, e também antes e depois, com batucada e dancinha incluídas. Essa atitude não está brigada com um jogo sério e competente. Ao contrário, só potencializa algumas habilidades muito compatíveis com uma prática rítmica e que se alimenta da emoção, da vibração. Imagino que o medo seja de que Robinho se converta numa má influência para o verdadeiro líder da seleção. Neymar tem provado que, se é capaz de driblar alguma coisa, são as influências externas. Chegou ao Barça e demonstrou uma grande personalidade, traçou uma rota pessoal e ascendente que até aqui está cumprindo perfeitamente. A questão é que, e ele sabe bem, chegou a hora de atravessar uma zona de turbulência, única possibilidade para poder aumentar a altura do seu voo. No Camp Nou ou no Maracanã.

 

 

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