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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Tensões acima da estratégia

Carles: Michel e Cardeñosa mais do que ninguém, queriam esse jogo, mas também o resto de povos reunidos dentro do território espanhol. Convença-nos de que deveríamos ter evitado esse destino.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: É uma forma enviesada de me perguntar como o Brasil pode ganhar o jogo?

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Carles: Assim de enviesados somos por aqui, enquanto fomos um povo baixinho, advogamos por times raçudos e musculosos, quando a espécie cresceu, temos um time de 'bajitos jugones'. Sim, essa é a pergunta.

Edu: Poderia começar falando que aquela choradeira do gol não validado de Michel em 1986 e do gol perdido por Cardeñosa em 1978 nunca vai acabar, pelo jeito. Mas entendo também esse traço espanhol, uma vocação dramática, na verdade. A rigor, minha resposta para a decisão da Confecup é, racionalmente: não, o Brasil não pode ganhar. Só que esse negócio de racionalidade não funciona muitas e muitas vezes no futebol. Então, vou responder simplesmente: é possível ganhar com inteligência.

Carles: Esta pedindo muito, meu caro, nem sei se esse produto existe no futebol, mais além de 500 aC e seus leitores. Tem ainda o samba do crioulo doido de Nilton Santos, são dois pra lá... Falemos do amanhã, como temperar a impulsividade com essa tal inteligência?

Edu: Aí é que está, é virtualmente impossível elaborar esse tempero com o material humano que temos no comando. Certamente haverá considerações táticas, tentativas de neutralizar as triangulações da Espanha, uma marcação mais atenta sobre Iniesta e Xavi e mesmo a tentativa de priorizar os ataques em cima do Arbeloa. Mas o grande apelo da Comissão Técnica brasileira deve ser mesmo motivacional, um discurso que incluirá referências ao passado, à mística do Maracanã e à velha lorota patriótica. Como sempre, as minúcias de como vencer a Espanha devem ficar com as pequenas associações: os zagueiros conversando entre si, os volantes combinando com os laterais e outros papos generalistas entre os atacantes.

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Carles: Ou seja, acaba aqui o sonho das conversas estratégicas de que tanto desfrutamos os amantes do futebol, amancebados do xadrez. Já não mais Tabárez, Prandelli ou até mesmo Del Bosque. Quando o papo é Luis Felipe, a coisa é terrenal mesmo? Entrem lá e ganhem, a pátria precisa de vocês. É isso?

Edu: Para não dizer que a estratégia passará ao largo da conversa, é certo que vão assistir a algumas montagens de jogos da Espanha, ressaltar as jogadas preferenciais, os segredos da posse de bola. Mas certamente não será o refrão. Difícil imaginar esse pessoal desprovido de argumentos emocionais e elaborando estratégias frias e minuciosas, que não levem em conta a bandeira, o hino, etc. Mas agora pergunto eu, e de forma nada enviesada: como a Espanha vai fazer valer sua superioridade, do alto dos últimos títulos conquistados? Marquês Del Bosque vai pedir pra moçada fazer o jogo tradicional ou terá preocupações pontuais, como com Neymar e com as descidas de Marcelo, por exemplo?

Carles: Legítimos recursos que, convenhamos, funcionam num terreno de jogo ou numa batalha... a bandeira, o cântico. Deste lado, quando estiver soando o hino espanhol, mais da metade do plantel estará pensando no "arroz al honro" que em horas poderá voltar a saborear. Esse é o nosso sentido de pátria. Mas também, uma coisa é certa, não acredito nas conversas táticas, nas altas estratégias para esse jogo. Imagino que existe uma ansiedade muito grande por entrar em campo e desfrutar do prêmio de jogar essa final, no Maracanã e contra o Brasil. É o que jogadores e comissão técnica têm repetido e pelo brilho nos olhos deles não parece discurso pronto, nem diplomático. Durante décadas, a expressão "no pasamos los cuartos" assombrou nossas mentes até conseguirmos passar das quartas de final para, quase no instante seguinte, ganharmos alguns títulos importantes. Na Confederações, tínhamos que chegar à final. E que final!!!! Mas não tiramos o olho de dois perigos iminentes, Marcelo e... Arbeloa

Edu: Isso quer dizer que a Espanha fará seu jogo e o Brasil que se vire para segurar?

Carles: Depende do que você considere 'fazer seu jogo'. Já disse no início do torneio que o Marquês está em vias de se aposentar e tem suficientes glórias para contar aos netos e bisnetos. Por isso imaginei que ele estava disposto a experimentos, a variações. E assim foi, inclusive obrigado pelas circunstâncias. Não acredito em marcações especiais, mas eu reforçaria a marcação pelo lado direito, por Neymar, por Arbeloa e pela opção de jogar com um único homem à frente da zaga.

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Edu: Definitivamente não consigo ver que este será um jogo de estratégias. O momento de decisão, a eletricidade do encontro, a pressão do Maraca, no fim das contas, acabam tendo muita influência no desempenho tanto do rodado time espanhol quanto da garotada brasileira, que já mostrou instabilidade emocional em alguns jogos. Vai ver que Felipão não está de todo errado...

Carles: Pois é, isso significa que este prólogo de Espanha-Brasil termina empatado. Estou plenamente de acordo.

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