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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Uma aula de como não fazer

Carles: Troca de treinador, três derrotas consecutivas, torcedores invadindo o CT... é a volta de velhos tempos ao Corinthians?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Tem o Corinthians de um lado e a selvageria do outro. Como suponho que você pretenda falar de temas civilizados, vamos deixar a selvageria de lado, porque para esse tipo de gente a solução é outra. Quanto ao clube, não diria que são aqueles tempos de Wadih Helou e Vicente Mateus, porque seria o fim dos tempos. Mas a falta de sensibilidade na gestão de crises é bem parecida. Trocar treinador sem mexer na estrutura esportiva e mesmo no elenco muitas vezes não basta, em especial nesse grupo envelhecido e com cara de 'missão cumprida' depois daquele glorioso 2012.

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Carles: A troca do treinador é sempre uma solução fácil. Será que os dirigentes não perceberem que o futebol mudou, que os fatores externos ao grupo de jogadores e treinador pesam cada vez mais. Que para manter um time vitorioso é preciso pensar a médio e longo prazo, preparando peças de substituição, pesquisando entre jovens promessas e fazendo um árduo trabalho nas divisões de base. Além de é claro, preparar essas transições com antecedência. Veja por exemplo o caso do Real Madrid que gastou 90 milhões de euros em Bale e quem está rendendo é Jesé, jogador do clube e que custou zero euros.

Edu: Então, esse é um dos pontos que despertou o sinal de alerta em Mano Menezes. Ele pode ter muitos defeitos, mas é um sujeito preparado, sensível às questões de elenco e que também sabe montar times do zero. Mano, que não vem de uma fase feliz na carreira - experiências dolorosas na seleção e no Flamengo - recebeu de herança um elenco inchado, caro, com os líderes desgastados e em fim de carreira. Há poucos jovens, como Romarinho, que precisa ser lapidado, e Alexandre Pato, que não tem mais jeito, nunca teve empatia com o entorno corintiano e não tem jogado nada, essa é a verdade. Logo, Mano teve que tentar uma renovação sem ruptura, 'sobre la marcha' como vocês dizem. Só agora promoveu quatro garotos da base, mas é claro que essa transição precisa de cuidados e tempo. Enquanto isso, o time vai perdendo e se esfacelando, porque não há reação possível com esse nível de desgaste.

Carles: Isso confirma minhas suspeitas, se o sistema gestor não se preocupou em fazer a previsão para a transição, o que o Mano precisa é de tempo. Inclusive para não queimar a carreira dos garotos. É isso?

Edu: E não se queimar né, porque logo, logo sobra para ele. Trocar o técnico neste caso era inevitável, porque aconteceu numa circunstância especial. Ninguém, a rigor, queria que Tite saísse, mas todos erraram em 2013, inclusive o próprio Tite, supondo que o time tinha gás para mais um ano de conquistas. Só que foi um ano desperdiçado, porque era o ideal para uma transição tranquila, contando com a paciência da torcida que também estava de ressaca. Essa foi a falha de gestão, muito básica, de planejamento. Nesse rolo, todos falharam, inclusive seus amigos Edu Gaspar e Silvinho, que chegaram com a missão de dar uma cor europeia à gestão corintiana.

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Carles: Talvez o erro seja esse. A gestão sempre se pode melhorar com o conhecimento e a experiência de outros sistemas, mas também é fundamental ter a sensibilidade para respeitar a idiossincrasia local. Não sei se as aspirações dos gerentões repatriados levaram isso em consideração. Não é só isso, parece que no futebol é sempre muito complicado romper os grupos que ajudaram a construir uma fase vitoriosa, sobretudo no caso de culturas latinas. As relações profissionais costumam se confundir com o trato pessoal e é complicado para o treinador dar saída aos que, mais do que comandados, foram companheiros e cúmplices. Deve ter acontecido com Tite e está acontecendo na seleção espanhola que, provavelmente, vai sofrer as consequências desse compromisso não escrito, na Copa.

Edu: São pressões diferentes, as de uma seleção e as de um clube. Não é moleza segurar nenhuma das duas, mas no clube você trabalha com uma rotina que nunca cessa, não há períodos de calmaria, em especial num time de massa. E olha que isso está acontecendo no clube mais rentável do país nos últimos dois ou três anos. Numa seleção, a paciência se esgota, troca-se tudo e logo começa um novo ciclo. No clube, não há tempo para elaborar novos ciclos, daí a importância de promover mudanças enquanto a roda viva continua girando. O caso do Corinthians é agravado por um momento financeiro difícil, no qual a prioridade é concluir o estádio, o que certamente consome muitos recursos. Ou seja, Mano que aguente essa bomba.

Carles: Sempre tendo em conta que os tempos são outros, é inevitável para o torcedor mais veterano, pensar na construção de um estádio por um clube e não recordar da fase pobre em conquistas esportivas do São Paulo durante a construção do estádio Cícero Pompeu de Toledo, e isso apesar de contar com torcedores célebres no governo de então. Será que essa penalização vem no pacote para se ter um novo estádio. É inevitável?

Edu: Completamente inevitável, mesmo se levarmos em conta que hoje os estádios são construídos e administrados em sistema de consórcio, ou seja, entra dinheiro por vários lados, ainda mais neste caso, com a urgência pela Copa. Mas que fique claro: o Corinthians já tinha um elenco caro, que continua por aí, o estádio só agrava a situação. É uma sinuca de bico, que dificulta a renovação. Mas será que tem outro jeito a não ser renovar assim mesmo?

Carles: Só me vem à mente uma palavra: planejamento. Sei que é chato e às vezes parece totalmente incompatível com certas culturas, mas algo de previsão tem que ter. É sempre pouco popular testar jogadores em épocas de esplendor técnico e de bons resultados, mas se isso não for feito então, acontece o que está ocorrendo no Corinthians agora, em que tudo é uma urgência. Sem nenhuma margem de erro e como uma insuportável pressão sobre todos, principalmente os novos. É uma bola de neve e os responsáveis - entre eles o treinador - deveriam ser os primeiros a sair dela. Como gestor de grupos humanos você sabe bem, nada como uma perspectiva distanciada para detectar os problemas e tentar solucioná-los.

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