Neste sábado, 23 de maio, completam-se seis meses do dia em que Flamengo voltou a ser dono da América, com aquela virada inesperada e sensacional sobre o River Plate. De lá para cá, o ótimo elenco foi reforçado, o time continuou bem em campo e a perspectiva de novas conquistou cresceu. Aí veio a pandemia e o futebol parou.
Naturalmente, a preocupação foi geral. Muitos cartolas, talvez a maioria, entraram em desespero pelo fato de seus clubes já estarem com a finanças combalidas e não saberem o que fazer para pagar as contas. Menos o Flamengo: em seu site oficial, o clube garantiu no fim de março que era possível suportar três meses de paralisação do futebol sem ter prejuízo.
Pouco mais de dois meses se passaram. O futebol brasileiro ainda não voltou e não se sabe quando vai voltar. Ninguém sabe o que fazer. Menos o Flamengo. Seus dirigentes diferenciados decidiram andar na contramão do bom senso e se unirem a quem dá mau exemplo para tentar forçar o retorno.
Para os dirigentes do Flamengo, não importa se a prefeitura do Rio proibiu os treinamentos em campo.
Se eles acham que os jogadores, empregados do clube, têm de treinar, eles vão treinar e ponto final. Não importa se há risco de contaminação.
Se eles entendem que já está na hora de o futebol voltar, buscam apoio de quem assim também pensa, sem se preocupar sequer com o que está por trás desse pensamento, e ponto final.
E entram no lobby para pressionar autoridades políticas e do futebol a se ajoelharem diante de sua vontade.
(Não é demais lembrar que, desde que a atual diretoria assumiu, o Flamengo tem sido usado rotineiramente por políticos interessados em surfar na popularidade do clube e na onda da ótima fase em campo, e a cartolagem ou da aval ou assiste placidamente.)
As opiniões de outros atores envolvidos com o futebol não importam. Os vários casos de pessoas ligadas ao clube que testaram positivo para covid-19 - 38, entre eles cinco jogadores - foram "relativizados''. A morte do massagista Jorginho, quatro décadas de serviços prestados, foi lamentada. Mas não assustou.
O lema é: vamos voltar.
Tal comportamento cheira a arrogância, de quem tem o melhor elenco do País, de quem é detentor de uma torcida que, além de ser maior, é um espetáculo (de alto nível) à parte no contexto do futebol. Enfim, de quem se acha o dono da bola e no direito de fazer o que quer, de submeter todos à sua vontade.
Mas é se o motivo for outro? E se a decantada bonança financeira - amparada por bons contratos de patrocínio, rendas milionárias e outras receitas - não for tão bonança assim?
Não se pode desconsiderar o fato de que, ao ser notícia diária por seu comportamento numa época em que o assunto que interessa é outro, o clube dá um pouco de visibilidade a patrocinadores. Por outro, lado, se torna antipático, contestado, rejeitado.
Por que o Flamengo está tão ansioso para voltar? Por que não esperar que a situação seja resolvida com calma e segurança? Por que não espera a criação do protocolo que está sendo desenvolvido pela CBF, com aval de especialistas e participação dos clubes, ele inclusive? Protocolo que permita que o futebol volte com garantias e seguranças aos atletas, demais pessoas envolvidas com um jogo e seu entorno. Pelo menos é esse objetivo...
E sobretudo, por que não esperar que as autoridades da área de saúde e os governantes (lúcidos) atestem que dá para voltar?
O Flamengo precisa entender que futebol não se faz sozinho. E que sem adversários ele não será o melhor. A rigor, nem sequer existirá.
Em tempo: o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, afinado com o presidente (do País) e pressionado pelos cartolas dá sinais de que vai roer a corda, dar um bico nos pareceres dos cientistas e especialistas em saúde e liberar os treinamentos em campo.