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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Casa da sogra já era*

Nos tempos de chefatura de polícia, juizado, radiopatrulha, balão chinesinho, Emulsão de Scott, caderneta em empório, palmatória na escola, sanduíche de mortandela - ou seja, bem antigamente -, era comum mandar a seguinte advertência para um sujeito folgado, espaçoso e sem modos: "Pensa que está na casa da sogra?" Dessa forma, se tentava fazê-lo ver que mordomias só em ambientes privilegiados, e anacrônicos.

Por Antero Greco
Atualização:

Pois bem, muitas das coisas citadas no parágrafo acima viraram lembranças para os veteranos - os mais jovens deem um google e confiram o que era. Até as sogras não são mais as mesmas. Felizmente, para elas, ora bolas, que não têm mais de cuidar de marmanjos filhos de outras.

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No entanto, no futebol certos hábitos permanecem inalterados, se não piores. O principal deles: um presidente do momento se considera dono do clube. Durante o período em que ocupar a cabeceira da mesa de reuniões, terá sempre a última palavra, quando não também a primeira e a do meio.

Reinará como Rei Sol, senhor absoluto, dono dos destinos da agremiação. O time vai confundir-se com o brilho da imagem dele. Faz e desfaz, contrata e dispensa jogadores ou técnicos, como bem entender. Fecha acordos de patrocínio, publicidade, tevê como considerar melhor. Se houver alguma reação contrária ou esboço de crítica, a resposta estará na ponta da língua: "O regime é presidencialista." Autoritarismo disfarçado de regra democrática.

O mar de lama em que se atolou o São Paulo, nestes dias, é exemplo acabado dos malefícios do presidencialismo - que, a bem dizer, não se limita ao Morumbi; ao contrário, é prática disseminada e enraizada Brasil afora. Segundo denúncias de ex-colaboradores, o presidente Carlos Miguel Aidar tomou decisões controvertidas, para ficar em termos gentis, que combinam com a outrora postura altiva dos tricolores.

Há acusação de desvio de conduta, e paira no ar a promessa de apresentação de dossiê alentado a respeito de negócios mal explicados conduzidos por Aidar. Não é por acaso que a turma da situação se encolheu e o pessoal da oposição ficou ouriçado. A pressão para a renúncia é forte - e, por mais que tenha prometido resistir, parece a ponto de capitular. Humilhante. Mais desgastante, porém, são as dúvidas. As reticências atingem o cartola e o clube.

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Aidar deve explicações, e muitas, a Conselho e torcedores. O pouco que já vazou para a imprensa é suficiente para provocar terremoto numa agremiação séria, tradicional e octogenária. As suspeitas levantadas por Ataíde Gil Guerreiro não podem passar batidas - nem por quem toma decisões no São Paulo, tampouco por Aidar.

Todos precisam esclarecer a fundo as respectivas posições. A decência, a transparência, a honra pessoal e tricolor o exigem. Como vai terminar o episódio não se sabe, oficialmente, embora cresçam os sinais de saída de cena. Aidar procura parecer irredutível na recusa de jogar a toalha, mas o panorama ficou insustentável. Mesmo que deixe o cargo, tem o dever de ir a fundo - e de cobrar quem o acusa.

Acima do caso pontual do São Paulo fica lição maior e óbvia: não se pode mais admitir, em clube algum, que o presidente seja intocável, se coloque acima do bem e do mal, viva e se movimente como um semideus. Bajulação é obsoleta, resquício de coronelismo que o futebol - duro na queda para a modernidade - abriga como se fosse natural.

No Brasil, nenhum presidente é dono de clube, e não pode agir como se não tivesse de prestar contas de seus atos. Escrevi dias atrás, mas vale repetir: dirigentes são escolhidos para administrar bem que não lhes pertence, tesouro cultural e afetivo, imaterial e de valor incalculável, que é de sócios e simpatizantes.

Que os clubes se mirem no vendaval da Fifa e acabem com a figura do mandachuva. Todo-poderoso já era, não apita nem na casa da sogra. Aliás, está na hora de as mulheres terem espaço na cúpula do futebol e botarem ordem nessa bagunça.

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*(Minha crônica publicada no Estadão impresso deste domingo, 11/10/15.)

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