Abro exceção à rotina dos posts esportivos para prestar homenagem a José Trajano, uma referência em minha profissão. Depois de quase 18 anos de batalhas, nesta sexta-feira o companheiro e mestre deixa a direção de Jornalismo dos canais ESPN, para dedicar-se a novos projetos no grupo e aos programas de que participa, com seus comentários argutos e justos, com seu estilo claro, direto, que não alisa, não contemporiza, que incomoda aqueles que andam fora da linha.
Neste período, Trajano foi cérebro e alma de um dos projetos mais bem sucedidos na mídia nacional nas últimas décadas. O canal cresceu e se firmou como opção de peso para opinião independente e democrática graças às atitudes firmes desse carioca de nascimento e cidadão paulistano por adoção e merecimento. Como estou lá desde as primeiras transmissões, que foram ao ar em janeiro de 1994, sei quão fundamental para o sucesso foi o temperamento indomável do Zé, como o chamam os mais íntimos.
Trajano teve sempre respaldo da cúpula - no ínicio, a Abril, depois a Disney -, o que conta muito. Posso dizer com serenidade, ainda mais agora que não é chefe, que esse apoio encontrou campo fértil num caráter reto, íntegro. Trajano quis, desde o início, que o Jornalismo fosse o centro das atividades da TVA Esportes, depois ESPN/Brasil. Assim é até hoje.
Trajano é explosivo, temperamental, não tem meias palavras. Muitas vezes parece mal humorado, invocado, brigão. Ele é tudo isso. Mas sobretudo é incansável, uma usina de criatividade, um sujeito que se renova. E generoso. Gerações já se formaram na ESPN, vários brilham lá e em outros canais, e só expandiram talento porque tiveram incentivo dele. São poucos os que têm a qualidade de descobrir "feras". O Trajano é um desses magos.
O genioso que muitas vezes você vê na televisão é também um sentimental, que se emociona ao falar de amigos e ao relembrar os primeiros dias da TVA Esportes, quando fazíamos reuniões num pequeno restaurante no prédio em que hoje está a MTV. Um veterano que vibra como iniciante em cada cobertura da tevê - de Jogos Abertos do Interior a Copa do Mundo, de torneio de handebol a Jogos Olímpicos. Um idealista (não é à toa que torce para o Ameriquinha...)
Nunca, em quase 18 anos de parceria, houve uma vez em que ele tenha vetado algum comentário meu ou tenha feito restrição a alguma estripulia minha e do Paulo Soares no SportSCenter. Nunca houve recomendação para agradar fulano ou atacar sicrano. Nunca fez campanha a favor nem contra. A não ser campanha a favor da verdade. Trajano nos deu liberdade - e essa é riqueza impagável para quem convive com ele.
Mudanças nas empresas ocorrem, são inevitáveis e servem para arejar, ora pois. Não somos eternos nos cargos, nem nesta vida. Ainda bem. O Trajano mais do que nunca será importante como referência na ESPN, no Jornalismo. E rola uma bola redondinha para o João Palomino. É só ele matar no peito e mandar para o gol. O Palomino também é craque, não desperdiça chances.
