PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

(Viramundo) Esportes daqui e dali

"Quale allegria"*

O título da crônica de hoje tomo emprestado de Lucio Dalla, com emoção e luto. A tradução livre seria "Que alegria que nada!" e cabe como réquiem, a prece dos mortos, para um dos mais importantes compositores da música popular italiana e para o futebol de Ronaldinho Gaúcho. Ambos desapareceram, para desconsolo de quem curte arte.

Por Antero Greco
Atualização:

O genial baixinho bolonhês, clarinetista, saxofonista, pianista, cantor, morreu de infarto ontem na Suíça, três dias antes de completar 69 anos. O mesmo país que na terça-feira viu circular no campo do estádio de Saint Gallen o espectro do talento de um brasileiro que até a metade da década passada fascinou o mundo com dribles, passes, gols hipnotizantes, quase inverossímeis.

PUBLICIDADE

Perdas incalculáveis e chocantes. A de Dalla foi inesperada, ocorreu entre um recital e outro, com prestígio intacto e no pleno vigor criativo de quem ama o que faz. A do futebol de Ronaldinho tem sido prevista há tempos, bola cantada desde as festivas noites de Barcelona. Veio num momento em que se tentou a reanimação, com a presença no time de Mano e a vaga esperança de resgatar o repertório outrora vasto e cativante, mas agora maçante e desinteressado.

O italiano sempre curtiu esporte, dedicou canções aos pilotos Ayrton Senna e Tazio Nuvolari, homenageou o craque Roberto Baggio. Ia a estádios torcer pelo Bologna e pela seleção de seu país. Em novembro de 1989, conversamos no intervalo do amistoso em que o Brasil de Sebastião Lazaroni derrotou a Squadra Azzurra, em Bolonha mesmo, por 1 a 0, gol de André Cruz. Barbudo, gorrinho na cabeça, afável, elogiava o estilo brasileiro. Era então fã de Careca, como havia sido antes de Amarildo, Altafini, Falcão. E, mais tarde, de Ronaldo e Ronaldinho. Dalla sabia das coisas.

Impossível olhar para o Gaúcho arrastar-se pelos gramados, indolente, e não lembrar de trechos de "Quale allegria", que fala de desencanto e rotina. Para os fãs atordoados pelo sumiço daqueles toques mágicos, doem os versos: "Não consigo mais sequer recordar como você era. Não sei mais o que fazer, não sei se devo rastejar ou se voar. Enfim, não sei mais onde te procurar."

Ronaldinho nos enganou, agiu como ilusionista. Por algumas temporadas nos fez acreditar fosse uma mistura de Garrincha, Pelé e Zico. Uma dádiva, a certeza da evolução da espécie também no joguinho de bola. Mas cansou, deixou-se sugar por outros interesses, não parece mais divertir-se com o futebol. O ritual de treinos, concentrações, viagens, jogos lhe é enfadonho. Faz aparições esporádicas, dá canjas cada vez menos inspiradas. Um fantasma.

Publicidade

Dalla e o futebol de Ronaldinho provocam aperto no coração. Por sorte, há registros em abundância do que ambos produziram. Toda hora em que bater saudade, resta o consolo de ouvir obras-primas como "4-3-1943" (que Chico Buarque traduziu como "Minha história"), "Cara", "Futura", "Chissà se lo sai", "Caruso", "Piazza grande", "L'anno che verrà". Da mesma forma, se podem rever gols do gaúcho nos primeiros anos de Grêmio, PSG, Barcelona e seleção.

Grandes artistas têm o dom de modificar nossas vidas. Dalla cumpriu sua parte, o futebol de Ronaldinho também. Todo louvor a ambos, e não devemos ser egoístas de achar que nunca sairiam de cena. Fica a nostalgia, enquanto a ressurreição não vem.

Uma dúvida. Por que será que todo figurão que se enrosca, de uma hora para outra deixa de vender saúde, fica doente e cai fora de fininho?

*(Minha coluna no Estado de hoje, sexta-feira, dia 2/3/2012.)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.