Na busca por paliativos, a bola da vez é Liedson, outro veterano que tomou o rumo de casa, chegou dias atrás, fez um punhado de treinos, beijou a santa, entrou em campo, marcou dois gols e fechou a quarta-feira como novo/velho herói alvinegro. Fez os fãs sentirem que finalmente voltaram a ter centroavante, alguém como referência na área. Passou batido o fato de ter 33 anos, o que pode pesar em temporada intensa. Contaram a alegria que proporcionou e o alívio que representou seu desempenho nos 4 a 0 sobre o Ituano. Está certa a Fiel.
O futebol encanta porque, como a vida, é dinâmico, surpreende, dá cambalhotas. O que decepciona hoje, alegra amanhã e volta a frustrar no fim de semana. E por aí vai. Sustos, sobressaltos fazem parte do cotidiano de qualquer um. Por que estaria ausente de uma atividade que lida demais com o imprevisível, com o improviso? Quem vive nesse meio tem de forçosamente acostumar-se à gangorra, à variação de humor. A paixão move o futebol, por mais que assuste os metódicos, aqueles para os quais o esporte deveria ser manifestação racional, um problema matemático.
Não é assim, no julgamento da torcida e, muitas vezes, na avaliação da crítica. Tenta enganar-se a si próprio quem prega o contrário. Na hora em que o futebol se transformar em discussão acadêmica, matéria para os doutos e sábios, perderá o fascínio, tornar-se-á estéril. "O homem é sobretudo um verdadeiro feixe de contradições", disse um personagem de Érico Veríssimo. Não seria eu a contrariar um mestre da literatura.
Futebol é contradição. É - e daí? Por isso, hoje Liedson recebe lufadas de incenso, que talvez venham a faltar-lhe daqui a pouco. Desembarcou no Parque em momento propício para firmar-se. Com Ronaldo em baixa, com Edno como alternativa precária, com William como promessa, estão escancaradas as portas para assumir espaço de ídolo. Fugaz que seja - calejado, sabe dessa precariedade. Mas o "velhinho" chegou sacudido e balançando as redes. Tem algo mais compensador no futebol do que o gol?
Os holofotes se voltam para Liedson, ao mesmo tempo em que Ronaldo segue à sombra. As dores musculares convenientemente alegadas para deixá-lo fora do time foram maneira delicada de afastá-lo da ira da turba. O astro da companhia viu-se escolhido como bode expiatório pelo sonho frustrado da América, o que é compreensível apesar de injusto. Foi vítima da idolatria. Na lógica entortada do fã, como ele era a maior esperança, o nome mais famoso e se mostrou impotente - como os demais -, teria sido também o responsável pela desclassificação. Errado, sem dúvida. Mas fazer o quê?
Longe de polêmicas, terá tempo de cuidar da recuperação que prometeu, dias atrás, via tuíter. Para alegria geral e para sair de cena de forma altiva. No entanto, até aposentar-se, no fim do ano, continuará a dividir opiniões. Haverá os que não o veem mais como ídolo nem reconheçam seu valor. Assim como haverá os obcecados que detectarão menosprezo em qualquer crítica que se lhe faça, não enxergarão rotundas evidências de que o tempo nos alcança e ficarão enciumados por elogios a supostos rivais de Ronaldo.
Prudente é fugir de extremos, ignorar exageros, escantear preconceitos ou deslumbramento cego. Dessa forma se pode vislumbrar o Ronaldo normal, homem com qualidades e defeitos, craque na reta final de carreira - porém sempre craque, condição que jamais lhe será tirada. Melhor vê-lo assim e não como semideus, nem como ídolo caído a merecer apedrejamento. Ele fica até mais simpático.
*(Texto da minha coluna no Estado de hoje, dia 11/2/2011)