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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Você sabia?

Domingo tem Corinthians x Palmeiras, clássico com nove décadas de história rica. Nem parece. Já é começo de noite de quinta-feira e nada se alterou na rotina da cidade. Não há expectativa no ar, falta adrenalina, não se fala nem de fila para compra de ingressos pro dérbi no Pacaembu. A multidão que se viu nos portões do estádio municipal nestes dias foi para conseguir bilhetes para os shows do sexagenário, genial e inoxidável Paul McCartney. (A propósito: entrei bem e fiquei sem entradas, mas não me submeti a pagar ágio disfarçado em "taxa de conveniência" de 20%.)

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Por Antero Greco
Atualização:

Estariam os torcedores desencantados com suas equipes? Teria perdido força o duelo tradicional? Tornou-se banal? Mudou o foco? O encontro de Palmeiras e Corinthians fala mais a gerações que curtem o Paul, por exemplo, do que a Shakira? As perguntas fazem sentido e mais algumas deve haver.

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Uma pista importante para entender por que o glamour dos duelos regionais virou fumaça veio de Porto Alegre, e de quem até alguns anos atrás vivia dentro de campo o clima de rivalidades insuperáveis. Renato Gaúcho colocou o dedo na ferida, em entrevista na terça-feira. O ex-atacante admitiu que sente falta do clima de provocação, entendida aqui como gozação, brincadeira ou forma de promover o espetáculo. "Não há mais apostas, não há mais jogadores que façam declarações fortes", lamentou o atual técnico do Grêmio, que depois de amanhã jogará com o Internacional.

Renato deu uma cutucada nos atletas e em seus assessores, nas pessoas que cuidam da imagem deles. Há excesso de preocupação com o politicamente correto, com o medo de ferir suscetibilidades. Como os jogadores não criam raízes com os clubes - noves fora as exceções de praxe -, não se sentem à vontade para espicaçar os rivais. Devem imaginar que não vale a pena comprar 'briga', mesmo que momentânea, passageira, ligeira. Afinal, amanhã se mandam para a Europa e depois de amanhã podem estar de volta, e justo no 'inimigo' de hoje.

Não vale alegar que não há condições para desafios como aqueles que César Maluco, Dadá Maravilha, Túlio Maravilha lançavam. É a violência daqui, as organizadas de lá, a criminalidade acolá. Não sou bobo de achar que se pode reviver o ambiente de antanho. Nem se trata disso. Mas é possível estimular o lado lúdico do futebol, que não morreu, ainda. Não é pecado apostar que vai usar a camisa alheia, se seu time perder. Dá para tirar sarro do colega, do cunhado, do chefe.

Estou aqui a pedir alegria, mas não é fácil ter panorama festivo, porque nos faltam talentos e vocação para tanto. Há sisudez de mais e gaiatice de menos no esporte. Todos se levam a sério, não pode isso, não pode aquilo. A espontaneidade é combatida como peste. Nós mesmo, da imprensa, vigiamos os craques, para ver se não dão maus exemplos, se seguem à risca as normas de bom comportamento. E enfraquecemos o futebol. Caramba, domingo tem Corinthians x Palmeiras! A cidade deve parar. Vai ver eu é que parei no tempo...

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Insensato coração. Por falar em tempo. Carrego uma incoerência na vida. Nunca fui torcedor do Santos, se assim considerarmos o sujeito que vibra, chora, discute, toma sol e chuva, fica sem sono por sua equipe. Mas já perdi a conta de quantas vezes vibrei, me emocionei, discuti e tomei sol, chuva ou sereno por causa do glorioso alvinegro praiano. E por quê? Para seguir Pelé e seus súditos. Tive o privilégio de acompanhar, na adolescência, a maturidade da carreira do Rei. E fazia questão de vê-lo em ação: nos duelos contra meu clube e, quando podia, em jogos contra os outros.

Por Pelé frequentei arquibancadas e, sem perceber, lá estava a comportar-me como santista, sem ser santista. Pelé e Santos (havia também Gilmar, Mauro, Zito, Mengálvio, Coutinho, Pepe...) para mim sempre simbolizarão o Futebol. Não há como não admirá-los, mesmo que meu time de coração tenha outro símbolo. Só mesmo a arte mágica do setentão Pelé para provocar esta irrevogável contradição. E não sou exceção..

Vida longa ao Rei!

(Minha crônica publicada no Estadão de hoje, 22 de outubro de 2010)

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