Jogo da memória de elefante

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Por Estadão
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Vamos voltar um pouco no tempo, quando eu tinha sete anos e mantinha um clube de animais com meus amigos do prédio. Se alguém me dissesse que no futuro eu iria andar de elefante na África, diria que o cara tinha bebido muito leite com Nescau e estava falando besteira.

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Como já mencionei, há muitos parques ao redor de Joburgo. Eles são perfeitos para viver a experiência de um safári sem ter que passar dias em um hotel dentro um grande parque nacional, o que seria o ideal para quem deseja viver a natureza em sua plenitude. Ontem foi dia de conhecer mais um deles: o Santuário dos Elefantes. Celular na mão, aciono meu melhor amigo africano. 'Hello, Victor?'

(Parênteses: Não deixa de ser irônico programar uma visita ao Santuário dos Elefantes um dia após a morte de José Saramago. Um dos últimos livros deste escritor português, um dos maiores mestres da literatura mundial e meu ídolo, se chama justamente 'A Viagem do Elefante'. Imaginei uma cena estranha, Saramago ao lado de um elefante, mas não duvido de que ele tenha analisado um pouco o bicho de perto, até porque sua descrição do 'personagem' é extremamente precisa. Adeus, Saramago.)

Uma hora depois chegamos ao parque, localizado entre as belas montanhas Magaliesberg e a represa Hartbeespoort. Victor encosta seu Mercedes na entrada, logo o administrador do parque vem nos receber no portão.

'Vocês têm reserva?', ele pergunta. 'Reserva?", somos surpreendidos. "Não sabíamos que era necessário.' 'Sim, estamos lotados hoje.'

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Desespero. Um dia perdido. O Victor ia ganhar o dinheiro mais fácil da vida dele.

'Somos jornalistas, viemos cobrir a Copa do Mundo. O senhor não poderia abrir uma exceção?'

Tensão no ar. Ao contrário do que você imagina, o cara não é parecido com o Indiana Jones. É um sul-africano de Cape Town, de rosto tão branco que chega a ser rosa, usando bonezinho e roupa de tenista.

'De onde vocês são?' 'Brasil.' 'Brasil? OK, venham comigo.'

Nunca mais reclamo do nosso querido país. Amandla, Brasil.

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A primeira parte do passeio consiste em passar alguns minutos ao lado de um elefante, passando a mão em sua pele, suas orelhas, sua tromba. O 'meu' se chama Kumba, que significa 'memória'. Não sei por que, mas tenho um acesso de riso ao encostar nele. Nada incontrolável, apenas um sorriso que insiste em ficar no meu rosto. Mas é uma sensação estranha, porque ao mesmo tempo eu fico com vontade de chorar, talvez devido à irrealidade de sentir a textura da pele de um elefante. Peraí, eu estou mesmo ao lado de um elefante africano? É sério?

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Como é que se diz 'me belisca para eu ver que não estou sonhando' em zulu?

Se você está curioso para saber como é a textura da pele de um elefante, pode ter certeza de que não tem nada a ver com o que você imagina. A pele, como bem definiu meu colega de passeio, Daniel Piza, é macia e lembra um sofá de couro craquelado. A tromba tem outra composição, bem mais dura (sem piadinhas, por favor). A tromba, aliás, serve apenas para o elefante respirar, apesar de muita gente achar que ele se alimenta por ali. Não, é mais como se fosse um braço, que ele usa para jogar a comida para dentro da boca. Sabe qual é um dos bichos mais temidos por um elefante africano de quase três toneladas? As abelhas. Se uma abelha pica a parte interna da tromba, ela incha e impede o pobre elefante de respirar, já que eles não conseguem respirar pela boca.

Mais curiosidades sobre elefantes: eles vivem sob um sistema matriarcal. Quem manda é a fêmea mais velha, escolhida pela experiência e sabedoria entre um conselho de elefantes adultas. Os elefantes vivem mais ou menos o mesmo tempo que um ser humano, média de 70 ou 80 anos. Os filhotes machos 'saem de casa' aos 14 anos, quando começam a descobrir aquelas coisas que os adolescentes descobrem. Montam então grupos de elefantes adolescentes, geralmente controlados por algum elefante adulto da região. Sim, os elefantes adultos vivem sozinhos, cuidando de elefantinhos adolescentes que só pensam em brigar e fazer bagunça. Como ninguém é de ferro, os machos mantêm duas ou três parceiras fixas que eles visitam na época de acasalamento. Pena que isso acontece apenas uma vez por ano com cada uma.

Elefantes têm um poder de comunicação muito grande: conseguem se comunicar com outros a mais de 15 quilômetros de distância. Deve ser por isso que a gente não vê muitos elefantes falando no celular: eles não precisam. E apesar de eles serem pesadões, descubro que os elefantes podem nadar quilômetros no mesmo dia. Ou seja: você até pode ter um elefante de estimação, mas é bom ter uma piscina de tamanho razoável. Duas coisas que você não perguntou, mas que faço questão de compartilhar: Quanto tempo dura a gravidez de uma elefante? De 22 a 24 meses. Qual é o tamanho de um pênis de elefante? Um metro. Eu também não perguntei nenhuma das duas questões, mas o gerente do parque, o excessivamente simpático tenista sul-africano, quem fez questão de nos contar. Não me pergunte por quê.

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Continuando o passeio, é a hora de caminhar com os elefantes, segurando na tromba deles como se fosse de mãos dadas. Na verdade, de mão-tromba dadas, ou de tromba-mão... você entendeu. Esse trecho do passeio parece meio ridículo quando se olha as fotos, mas na hora foi bem legal. Não é todo dia que se pode pegar na tromba de um elefante, se você esquecer as piadinhas e o lado malicioso disso.

A terceira parte do passeio foi a mais legal: andar de elefante. Eu queria ir sozinho, mas exigiram que eu fosse com um profissional. Não adiantou eu explicar que tinha morado no Texas e tinha experiência com cavalos. Eles insistiram que cavalos e elefantes eram bichos diferentes. No final, eu aceitei e fui de garupa no elefante.

É uma sensação muito diferente de andar a cavalo, por algumas razões óbvias e outras nem tanto. Em primeiro lugar, a altura: cair dali seria, digamos, meio perigoso. A outra é que o bicho é muito largo, portanto suas pernas ficam abertas de maneira bastante desconfortável. O elefante também rebola muito mais que um cavalo, e vamos dizer apenas que seu rebolation ganha dimensão muito maior graças ao tamanho do seu derrière.

Tirando os aspectos técnicos descritos acima, andar de elefante é uma experiência inesquecível. Eu olhava para o chão e pensava: 'é sério, estou em cima de um elefante?', 'esse pedaço de couro cinzento batendo na minha perna é uma orelha de elefante?' Desta vez não fiquei emocionado porque estava preocupado demais em não cair lá de cima. Mas passar o dia com elefantes foi mais um sonho de criança realizado nessa viagem, um sonho que nunca mais vai sair da minha kumba.

Ngiyabonga, África.

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