Com o tempo, me libertei de alguns personagens traumatizantes na infância de qualquer criança saudável e também lamentei que outros, como as fadas e os duendes, não passassem de ilusão. Para compensar os anos de bem-aventurada credulidade, já adulto me tornei cético em relação a muita coisa na vida. Piorou depois de abraçar o jornalismo como profissão e projeto de vida. Vi tanta conversa fiada em mais de três décadas de carreira, que hoje em dia pouca coisa me convence.
Por isso, torci o nariz já na primeira vez em que ouvi ilustres cartolas e digníssimos governantes afirmarem que a Copa de 2014, no Brasil, seria feita quase exclusivamente com recursos da iniciativa privada. Não haverá dinheiro público envolvido nas obras, afirmavam os donos da bola e do poder. Desdém para os incrédulos, sorrisos cúmplices para ufanistas e os arrivistas de sempre.
Não passa nem um ano que o Brasil é confirmado como anfitrião do Mundial e se confirma que haverá enxurrada de dinheiro nosso para as cidades que quiserem construir ou reformar seus estádios. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social, como publicou o Estado de ontem, se propõe a oferecer R$ 400 milhões, com juros baratinhos, para que surjam ou se modernizem os campos que receberão a festa do futebol. Os cofres estarão abertos até para arenas privadas, como o Morumbi, o clube cuja diretoria costuma definir como "diferente", altivo, próspero, ousado, que foge ao lugar-comum.
A notícia só não me surpreendeu de vez porque desconfiava dela desde o lançamento da candidatura única (!) do Brasil e porque, no mês passado, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, havia acenado com essa possibilidade, em entrevista também aqui publicada. O governo se apressou em dizer que não haveria dinheiro de esfera federal. Ah, bom, a grana estadual, municipal ou do BNDES é diferente. É do governo, mas não é bem do goveeeerno. É do povo, mas não é bem do poooooovo. Você entende? Não?! Nem eu.
Informações de bastidores dão conta que autoridades estão preocupadas com atrasos em projetos ou mesmo com o risco de serem cortadas algumas sedes. Para evitar vexame, e para não prejudicar nossa imagem, preferem intervir desde já. Uma indiscrição aqui, outra confidência acolá, e não faltam referências ao Pan do Rio e seu traumático cronograma.
Amigo Boleiro, prepare o espírito (e talvez o bolso), porque até 2014 muita grana vai rolar, com a leve desconfiança de que sabemos quem vai pagar a conta. Conta que pode crescer mais do que capim no mato, se o Brasil for escolhido como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. E dá-lhe conversa pra boi dormir, na justificativa de gastos e investimentos. O que parece ideal, no papel, muda de figura na prática. E, cá entre nós, lorota por lorota preferia os contos da Carochinha. Pelo menos, neles os vilões perdiam no final.