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O vôlei com conhecimento e independência

Aninha, líbero, cobra dívidas e acusa Curitiba de maus-tratos: 'Vendi tudo que tinha. Me senti um lixo, descartável. Rato de laboratório'.

Era manhã de sábado. Recente.

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Por Bruno Voloch
Atualização:

O blog recebe uma mensagem.

Do outro lado está Aninha, líbero de Curitiba. Ela pede ajuda. Corajosa, diz que procurou o blog porque precisa divulgar o que passou nos 4 anos de clube e relata fatos estarrecedores.

 

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Em 2016, Ana Eliza Caetano de Camargo foi jogar o Campeonato Paranaense pela equipe de Cascavel. Acabaria sendo considerada a melhor líbero da competição e recebeu o convite para jogar a Superliga B pelo Clube Curitibano.

Como começou sua história em Curitiba?

Estou aqui no Curitiba Vôlei desde o começo do projeto, 2016/17. Fui contratada pra jogar a Superliga B que foi o primeiro time no Clube Curitibano. Acreditei desde sempre e era encantada por tudo, afinal foi minha primeira experiência numa competição nacional e nova atuando na posição de líbero. Até aí tudo normal. Eu só achava estranho o salário. Recebia muito pouco, cerca de R$ 750,00, para jogar uma Superliga B, acho que é porque era nova. Mesmo assim, achava estranho. Aceitei isso e acabamos a competição na segunda colocação.

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E a segunda temporada?

Renovei para 2017/18 com o Círculo Militar do Paraná recebendo o mesmo salário. Eu estava muito empolgada porque eles montaram um time muito bom com jogadoras que nunca tinha imaginado jogar junto. A partir dessa temporada aconteceram coisas estranhas. Como sempre eles prometiam salário, alimentação e moradia. Chegou o dia da apresentação e fui morar numa kitnet junto com outra atleta. Passaram alguns dias e uma jogadora bem mais velha, que tinha família na cidade, teve um problema particular e pediu um lugar para morar. Sobrou pra quem? Claro, eu.

Pode dar detalhes? Explicar?

Eles me deram duas horas para sair do lugar onde estava morando para abrigar outra atleta. Só que eles não deram outro local  para eu ir. Apenas disseram para deixar e pronto. Eu me senti um lixo, simplesmente descartável. Fui dormir na casa de uma outra atleta que era daqui de Curitiba e se não fosse ela não sei como teria passado aquela noite. Eu tinha conhecido meu noivo logo quando cheguei em Curitiba. Naquela época, 4 meses de namoro, não existia intimidade com a família dele. Como eu não tinha lugar para ficar, minha sogra me abrigou até eles decidirem o que fariam comigo. Acabou o campeonato e eu continuei morando de favor na casa da minha sogra.

Como você conseguia jogar e treinar com tantos problemas?

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Pois é. Além de aguentar tudo isso fora da quadra eu tinha que suportar a falta de confiança e respeito que tinham por mim no dia a dia. Essa temporada para mim também foi muito difícil porque eles acabaram com o meu psicológico. Se as meninas não tivessem me dado suporte eu não teria conseguido aguentar.

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E sua relação com a comissão técnica?

Chegamos lá. Um dos episódios mais deprimentes foi quando a líbero titular se machucou e eu fui escalada para jogar. Eu estava muito feliz, empolgada e não via a hora de chegar a minha oportunidade. Até que em um treino eu ouvi a seguinte fala: 'Não precisa tentar colocar o passe na mão igual a outra líbero, tá? Tenta só deixar a bola no meio da quadra que para você já é o suficiente'. E detalhe: isso tudo e eu nem tinha tocado na bola. Foi horrível, chegou um momento que eu não conseguia pegar na bola, eu tinha medo de errar a bola porque eles caiam matando em mim, me deixavam para baixo e não disfarçavam. Consegui terminar a temporada como titular.

O técnico citado era Clésio Prado.

Apesar de todas as adversidades e humilhações você permaneceu em Curitiba?

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Nas férias eles já tinham renovado comigo, tive que continuar aceitando o salário de mil reais. Eu e minha empresária tentamos negociar com a Gisele e ela aumentou para mil e quinhentos.

O acerto foi cumprido?

Não. Fui contratada para ser a primeira libero na temporada 2018/19. Nunca tinha me esforçado tanto para uma temporada como essa. Alguns dias antes da apresentação recebi uma ligação da minha empresária desesperada com a seguinte notícia: 'a Gisele acabou de me ligar avisando que contratou outra líbero e que se você quiser continuar no projeto é para você aceitar mil reais'.

Por que aceitou?

Foi horrível, mas aceitei. Aceitei porque eu estava atrás de um sonho maior e pensava que tinha que passar por tudo isso. Vim para Curitiba. De novo sem moradia. Deixei claro que não ia continuar morando na casa da minha sogra. A Gisele falou que moraria com mais algumas atletas na casa dela. Era ruim, não tinha liberdade alguma.

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Então a questão da moradia foi resolvida?

Não.

Mas o clube não cumpriu de novo?

Eis que ela contrata uma estrangeira e não tinha lugar para estrangeira ficar. E mais uma vez sobrou pra mim. Gisele pediu se eu não podia ficar na casa da minha sogra por alguns dias só até ela conseguir a moradia da estrangeira. Aceitei ajudá-la. Fui passar uns dias na casa da minha sogra. Toda semana eu perguntava se ela tinha achado algum lugar para estrangeira ficar e nada. Foi assim até o final da temporada. Mas acredite, essa não foi a pior coisa naquele ano.

Pode contar?

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Sim. Devo. A Universidade onde treinamos e jogamos dava tudo para nós. Alimentação, nutricionista, bolsa de estudo, psicólogo, cursos de línguas e odontologia. Tínhamos que passar por tudo isso e no dia da minha consulta da odontologia eles constataram que eu tinha todos os meus sisos e alguns dentes de leite ainda. Não me incomodava mas eles disseram que eu iriam fazer os procedimentos necessários. Gisele disse para eu fazer tudo na pré temporada. Eles tiraram em um único dia, 6 dentes da minha boca. Foi a pior experiência. O tratamento foi horrível, traumatizante. Eles me tratavam como um ratinho de laboratório. Cada dente era um aluno diferente que tirava. Tive que ficar duas semanas afastada dos treinamentos. E eles prometeram que iam colocar próteses novas e aparelho nos meus dentes. Até hoje não tenho dentes no fundo da minha boca e me alimento mal por isso.

E a última temporada?

A temporada 2019/20 foi a pior de todas. Eu tinha contrato de R$ 3 mil por mês e ainda morando com a minha sogra de favor. A casa da minha sogra era muito longe do ginásio. Saía com duas horas de antecedência para o treino porque tinha que pegar dois ônibus diferentes. Eu implorei um apartamento mais perto ou ajuda com as passagens de ônibus. Nada foi feito. Era muito estressante. Em uma das vindas do treino cheguei até sofrer assédio no ônibus porque voltava muito tarde para casa. Foi horrível.

Não seria a hora de sair? Pedir rescisão?

Olha, eu treinava muito porque eu justamente queria sair do Curitiba de qualquer jeito na próxima temporada. Ouvia sempre que eu não ia suportar a pressão na quadra. Meu psicológico estava indo cada dia mais para o lixo. Eu estava muito cansada. Foi quando pedi ajuda pra Gisele se ela poderia achar uma moradia mais perto. Ela disse que me ajudaria pelo menos com o aluguel. Consegui achar um apartamento que é esse onde moro. Aluguei no meu nome.

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Finalmente deu certo?

Não recebi nenhuma ajuda. Até que chegou o mês de dezembro e os salários começaram a atrasar. Comecei a ficar preocupada porque o apartamento está no meu nome, eu não podia deixar o aluguel atrasar. Em janeiro acabei me lesionando. Rompi o LCA do joelho direito. Foi um pesadelo total. Salários atrasados, joelho machucado, precisava de uma cirurgia e eu consegui a cirurgia com um médico (anjo da guarda) de São Paulo.

O blog apurou que o médico foi Julio Nardelli.

Qual foi a postura do clube depois desse incidente?

Já foi um gasto a menos que não dei ao clube e o mínimo que eles tinham que fazer era a reabilitação. Fiquei duas semanas em São Paulo com o aval da Gisele até tirar os pontos do meu joelho. Voltei e estava tudo um caos. Para eu me tratar tinha que ir de ônibus até um clínica que é longe da minha casa e a Gisele não me ajudava nem com o básico. Por muitas vezes eu ia a pé. Dava uma hora. Comecei então a fazer o tratamento em casa, vendo vídeos no YouTube.

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Os salários estavam atrasados?

Sobre os salários atrasados, a Gisele pegava as faturas de cartões de algumas atletas e pagava. Depositava R$ 500,00 na conta. E foi quando ela parou de pagar de vez por conta da pandemia. Fiquei desesperada.

Não houve negociação?

Tentei negociar e nada. Até que chegou um dia que ela me mandou um e-mail ridículo de um acordo que ela fez e só ela concordou. Eu expliquei que eu estava machucada que não podia ficar sem receber. E ela simplesmente disse não. Foi obrigada a me virar. Comecei a vender tudo o que tinha: tênis, uniformes, móveis, etc. Fiz brigadeiro no condomínio onde moro também e tive a ideia de fazer um bingo para eu arrecadar dinheiro, tentar pagar a minha reabilitação e lutar para voltar para minha cidade.

Você pediu ajuda dos atletas? Comissão?

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Foi exatamente quando comecei a mandar mensagens para vários atletas pedindo doações de uniformes e consegui algumas ajudas importantes. Uma dessas ajudas foi do Riad, jogador de Taubaté.

Qual a sua situação atualmente?

Não está sendo fácil tudo isso pra mim. Sem dinheiro, longe da minha família e muitas vezes não tenho nem para comprar o básico como arroz e feijão. Minha família está fazendo o máximo para me ajudar sair daqui até porque quando aluguei fechei contrato de 2 anos com a promessa que a Gisele iria pagar. Agora a multa é muito alta e estou juntando dinheiro para poder pagar e voltar para minha cidade.

Consegue pensar no futuro?

Sim. Não posso acreditar que a minha carreira pode acabar desse jeito. Desejo começar a jogar do zero e conseguir superar tudo isso. O que eu quero com tudo isso além do respeito como atleta e pessoa, é que me paguem o que me devem (R$ 6 mil), aluguel que não cumpriram, meu tratamento dentário completo em uma clínica boa e a minha reabilitação.

Curitiba, segundo a jogadora, deve dois meses de salários e 10 de aluguel. Isso sem contar os gastos que Aninha pagou do próprio bolso, quantia referente ao tratamento pós-operatório.

O blog entrou em contato com o clube.

O Curitiba Vôlei afirmou que são inverídicas as declarações da atleta.

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