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Por liviooricchio
Atualização:

Diário de Bordo São Paulo, 30/VIII/06

Cá estamos, em casa de novo, São Paulo, se é que posso dizer que aqui é a minha casa. Mais apropriado seria, talvez, dizer que resido dentro de aviões e hotéis por onde a Fórmula 1 passa. E algums outros locais, também, afinal a vida não é feita só de trabalho. Acredito que vou perder totalmente a moral com vocês. Quando cheguei no autódromo Istambul Park, domingo, minha dúvida era se eu me atiraria de cima da ponte do Bósforo, na volta, ou, quem sabe, me enfiaria na famosa fenda geológica que atravessa a Turquia, responsável pelo elevado número de tremores de terra por lá. Explico, calma: saí do hotel no centro de Istambul às 9 horas, a corrida começou às 15 horas local, 9 da manhã aqui, e 9h40 eu estava entrando na sala de imprensa. Ao passo que ano passado necessitei 4 horas para me aproximar da pista e caminhar mais de um quilômetro a pé por tudo estar parado. Se bem me recordo o que escrevi no capítulo anterior do nosso Diário de Bordo, eu esperava algo semelhante este ano, já que a polícia realizava o mesmo controle de revista individual. Só que eu dirigia na autoestrada a 120 km/h, via os quilômetros avançarem e nada de tráfego. Será que errei o caminho, cheguei mesmo a pensar. A estrada para Ancara, a que nos leva a Istambul Park, deriva da que se segue à ponte sobre o Bósforo. Em frente chega-se a Ismir, importante centro universitário - desejo conhecer o lugar - e, à direita, rumamos em direção da capital do país, Ancara, e o belíssimo autódromo. Não estou seguro de que a transmissão da TV exponha a riqueza do trabalho arquitetônico coordenado pelo alemão Herman Tilke. A exemplo do que fez em Bahreim, na China e Malásia, estudou os traços principais da arquitetura dessas nações e os aplicou na concepão das edificações do autódromo, mas utilizando-se de materias e soluções estruturais avançadas. Essa combinação da manutenção da arquitetura árabe, chinesa, malaia e turca com os recursos modernos de construção civil geraram notáveis trabalhos. Ainda que, nem sempre, a funcionalidade tivesse sido prioridade. Saí do assunto inicial. Acho que é medo de enfrentá-los. Inconsciente, viu. A verdade é que poucas vezes cheguei tão rápido ao circuito como no país que eu esperava perder mais tempo. Longe de mim, por favor, qualquer pretensão de que foi uma conversa que tive com um dos responsáveis pela organização, ainda quinta-feira, Era um austríaco. Há uma empresa de lá que toma conta de vários setores da organização dos GPs em algumas partes do mundo, como na Turquia, Alemanha em Bahrein. Saí do carro enquanto os policiais o inspecionavam, a mais ou menos um quilômetro de onde acha-se o estacionamento para a imprensa internacional. Até com espelhos dotados de prolongadores verificavam se não havia sinais de bomba sob a carroçaria. Enquanto checavam, sugeri ao austríaco que se inspirassem no exemplo da Hungria. Era, da mesma forma, uma dificuldade atingir Hungaroring. Tudo permanecia parado. A história mudou quando reservaram o acostamento da estrada para veículos credenciados. Quem está indo lá para se divertir, é desconfortável, lógico, mas até pode perder um certo tempo, desde que inevitável em razão da natureza das vias públicas. Ao passo que nós, profissionais da Fórmula 1, temos necessariamente de contar com facilidades como a oferecida em Budapeste. Estabelece-se um limite de velocidade, baixo, e pronto. A coisa flui muito bem. Obviamente a empresa responsável, em Istambul, sabia bem melhor do que eu. Penso que devem ter convencido as autoridades turcas da importância da medida, até por uma questão de imagem do país, tendo-se em conta o que ocorreu em 2005, e eles concordaram. Tornaram mais eficiente, também, a própria entrada para os espectadores porque a fila, domingo, não era dramática. É bem verdade, também, que havia menos público nas arquibancadas. Estou perdoado ou terei de ser mais criativo ainda para me suicidar por ter projetado algo que não ocorreu? Ah, por favor não me cobrem por estar escrevendo apenas agora. Minha consciência me torturava, mas deixar uma nação mais distante no dia seguinte ao de uma corrida de Fórmula 1 é algo que precisa ser contado. Imagine a maior parte daquele pessoal da Fórmula 1 dirigindo-se para o aeroporto de Istambul segunda-feira de manhã, algo como 5 mil pessoas, além daquelas que naturalmente já se servem do aeroporto desse importante centro europeu. Terrível. Para devolver o carro alugado é preciso, por exemplo, ir ao balcão na área de desembarque. Nunca vi isso. Sempre há um representante da empresa locadora no desembarque, claro, para a retirada do automóvel, e outro no embarque, a fim de receber os que o estão devolvendo. A empresa de quem aluguei não dispunha no embarque. Resultado: toca eu passar pelo controle de segurança da bagagem para entrar do desembarque (?). Não demorou para resolver tudo, uns 15 minutos. O elevador lhe leva ao setor de embarque. Opa...novo controle de segurança, mas diferentemente do andar de baixo, há fila, e demorada. Os policiais agem com delicadeza e cortesia. Não vi um que falhasse. A seguir outra fila, a do check in para o vôo da Lufthansa para Frankfurt. Meu cartão diamante ou gold da Star Alliance, resultado de meus vôos frequentes com a Varig, "A nossa Varig" - só se for sua meu amigo, minha não é -, ainda me permitem certas regalias, como realizar o check in no balcão da primeira classe. Calma lá, vôo de aconõmica. A Lufthansa não aceita mais as milhas da Varig para emissão de bilhetes ou up grades, passar de um classe para outra. Agora que voltei a viajar de classe econômica - na Varig era sempre de executiva por conta das milhas -, caí na real de novo. Para quem passa um noite por semana dentro de avião, e sai do aeroporto direto para o circuito, apurar noticias e trabalhar, jornais, internet, blog e rádio, como eu, faz uma diferença enorme voar na classe executiva, Acredito que seja até acumulativo esse processo de cansaço porque hoje, diferentemente de 16 anos atrás, meu desgaste é maior. Ok, a idade é outro fator, mas não para justificar o que experimentamos. Quer saber de uma coisa, em avião existem apenas duas classes: a primeira e a última; mais apropriadamente deveria ser definida como porão pressurizado. Há lá uma porção de ar para você não ter de usar máscara e só. As dimensões do espaço a sua disposição são desumanas. Se for avião da Airbus Industrie, meu Deus. Sua sofisticada tecnologia, segurança e performance não é correspondida no que oferece aos passageiros da econômica em termos de espaço. Defendo até que a Organização Mundial de Saúde intervenha, estabelecendo volumes mínimos de espaço maiores na classe econômica das aeronaves. Com a globalização, é cada vez maior o número de passageiros que transformou o avião como a sua segunda casa. E não vem com essa que as empresas oferecem a quase todos a classe executiva que não é verdade. Muitas, sim, mas a maioria ainda vai na última, no puleiro ou porão pressurizado. Bons tempos em que o Estadão me dava bilhete de executiva para os deslocamentos com mais de 12 horas. Parece que foi ontem. Na realidade, há bons e distantes anos. Ops, desculpe, que ninguém nos ouça. Acabei de fazer o check in, não é isso? Quase sem fila, afinal sou passageiro de primeira classe, não? É o que devem ter pensado os que me viram do balcão da primeira classe da Lufthansa. Acho que até a minha expressão muda. Devo produzir, sem desejar, cara de conteúdo. Enquanto a moça da Lufthansa procura ser simpática comigo, emito aquele sorriso em que apenas uma das extremidades da boca se levanta, enquanto o olho daquele lado do rosto se abaixa em relação ao outro, que sobe. Não me recordo, mas penso que até uma gargalhada sarcástica como a de Gold Finger quando vê James Bond amarrado, prestes a ser cortado por uma serra elétrica, deve sair. Para ajudar a compor o quadro de pompa daquilo tudo. Pena que apenas segundos depois serei obrigado a cair na realidade e dividir meus 3 centímetros cúbicos de espaço na classe econômica com outros 200 passageiros. Quando percebo que alguns daqueles que me observavam com deferência no balcão da primeira classe e, de repente, me vêem sentado próximo deles, no puleiro pressurizado, procuro travesseiros, cobertores e, no caso de assentos móveis, eles também para me esconder. Já tentei a parte de baixo das cadeiras, mas engordei um pouquinho e ficou muito justo. Uma ocasião os comissários tiveram de se reunir em mutirão para me tirar de lá. Exagerei na tentativa de me esconder, não conseguia sair espontaneamente e o avião estava prestes a decolar. O pior é que, depois, todos me identificaram ainda mais facilmente. Pena as janelas serem hermeticamente fechadas. Cartão de embarque na mão, passaporte e, e...tã. tã, tã, tãmmmmmm. Passarela telescópica para entrar no avião? Nã, nã. Fila. E que fila. Agora a do controle de emigração. Imensa. Dispunha, ainda, de uma hora até a decolagem, o que quer dizer uns 40 minutos para me apresentar para o vôo. Consolei-me com o fato de junto de mim existirem pilotos de Fórmula 1, como Nico Rosberg e Vitantonio Liuzzi, e meio mundo da Fórmula 1, dentre eles meu amigo de muitos anos Jean Louis, o locutor da TV francesa, que me contou como havia sido o jantar de celebração da vitória do Felipe Massa, na noite anterior, no Reina, um restaurante maravilhoso, à beira do Bósforo. Jean Louis é amigo de Nicolas Todt, filho de Jean Todt e empresário de Felipe Massa. Nicolas o convidou para o jantar. Obviamente acabou sendo substrato para a matéria que redigi no aeroporto de Frankfurt, para o Estadão e aqui para o blog. Entrei no avião para a Alemanha no limite da hora. Ah, antes de entrar na sala específica de embarque nova checagem da bagagem de mão, com ordens para retirar sapatos, cinto, relógio, correntinha (não uso), anel (não uso) enfim quase tudo. Não contentes, ainda te apalpam todo. No meio das pernas também. Não deixariam passar esse ponto estratégico para esconder algo passível de não ser detectado pelas máquinas de revista. Essas situações são desgastantes mas absolutamente necessárias. Aqui no Brasil, a não ser agora, com os ataques do PCC, não temos essa cultura de conviver com atentados, comuns na Europa. Sente-se o clima de tensão no ar. E a Turquia tem problemas sérios com os curdos. Domingo à noite, no hotel, tarde já, passava da uma da manhã, segunda-feira, portanto, vi na televisão a explicação de eu ouvir tanto barulho de sirene: um atentado na cidade, com 22 feridos, sendo um grave. No dia seguinte o mesmo grupo que reivindicou o atentado, até onde compreendi, se responsabilizou pela morte de três turistas numa cidade litorânea turca, bastante procurada nessa época, em que a temperatura não abaixa dos 30 graus. Ano passado, em Londres, cheguei no dia dos atentados e foi aquela correria. Faz parte dos riscos de se viajar pelo mundo. Aliás, quem vive em São Paulo considera essas exposições até brandas. Os perigos, aqui, por conta de se ter um governador que, em plena crise de tudo, liderança, autoridade, moral, vem a público e diz não ver a hora de voltar para casa porque não deseja ser governador de São Paulo o que é que se pode esperar, amigos? Nossa crise maior não é nem disso tudo aí, mas de lógica, somos mesmo uma nação surrealista! Terça-feira embarco para a Itália. Nosso próximo encontro é de lá, combinado? Não preciso dizer que dedicarei boas linhas para lhes descrever os locais e os pratos que comerei. Vou me instalar, como de hábito, perto do lago de Como, quase fronteira com a Suíça. As massas, os atentados, os frutos do mar, as filas, as carnes, a classe econômica, os doces, o fuso horário, não, chega. Deixa para aproveitar e sofrer lá. Abraços!

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