Fim do escapamento aerodinâmico: mais uma decisão abominável!

15/VI/11

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Por liviooricchio
Atualização:

Livio Oricchio, de Nice

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  Ao que parece, será mais um daqueles casuísmos indecentes que vez por outra desembarca na Fórmula 1, gerando na competição a imagem, real, de tratar-se de uma disputa, de certa forma, controlada politicamente.

  Saí de Montreal com a informação de que a FIA confirmou às equipes que a partir do GP da Grã-Bretanha, dia 10 de julho, nono da temporada, o escapamento aerodinâmico vai ser proibido. A alegação é que o recurso tem efeito aerodinâmico, o que não é permitido pelas regras.

  Em poucas palavras, o sistema funciona assim: Adrian Newey, projetista da Red Bull, posicionou o terminal dos canos de escape sobre o assoalho, não embaixo, próximo das rodas traseiras, um de cada lado. Nessa área, a rotação das rodas provoca um turbilhonamento significativo do ar. É tão intenso que funciona como uma barreira para a passagem do ar que está escoando sobre o carro.

  Se fosse possível reduzir esse turbilhonamento, o ar teria menos resistência para percorrer a carenagem do carro e colaboraria decisivamente para gerar maior pressão aerodinâmica. Explico: por chegar em maior velocidade na porção traseira, cria uma zona de baixa pressão imediatamente atrás do carro, o que facilita bastante o escoamento do ar que está fluindo embaixo do assoalho, passando pelo difusor.

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  É bastante lógico. Não desista. Recomendo a releitura do conceito, que é simples.

  Como na parte final do assoalho há, agora, uma zona de baixa pressão, pela maior velocidade do fluxo de ar, o ar que está vindo por baixo do assoalho e passou pelo difusor pode se expandir mais facilmente, ou seja, também ganha velocidade: não há uma barreira na porção de trás do carro impedindo seu escoamento sob o assoalho. Lembra daquele princípio físico: ar em maior velocidade gera menor pressão aerodinâmica. É o caso, aqui.

  Não está errado: ar em menor pressão aerodinâmica por fluir mais veloz. Mas sob o carro, por estar escoando mais velozmente em razão de não haver resistência maior depois do difusor. Se a pressão embaixo do carro é menor e em cima é maior, pela MENOR velocidade do ar que percorre o carro na parte superior em relação ao que ocorre sob o assoalho, a resultante aerodinâmica de cima para baixo é maior. Menor velocidade de fluxo sobre o carro, maior pressão aerodinâmica, é o mesmo princípio. Estamos, agora, falando em downforce, ou pressão aerodinâmica, como se diz no Brasil, o que essencialmente se busca na Fórmula 1.

  A solução de Newey, como de praxe, é tão simples quanto genial. Ouvi de uma fonte da Pirelli: "Estão aproximando demais o terminal de escape dos pneus. Daqui a pouco vão começar a comprometer a segurança dos nossos pneus." Disse ter estabelecido a distância mínima de 40 cm entre o terminal de escape os pneus. Só para recordar, os gases saem do escapamento a uma temperatura média de 700 graus Celsius.

  Como manter esse fluxo, dentro do possível, constante é essencial para o sistema gerar pressão aerodinâmica de forma regular, a fim de evitar variações que comprometeriam o equilíbrio do carro, os engenheiros de motor programaram suas centrais de gerenciamento para que o motor permaneça acelerado, gerando portanto os gases para o sistema funcionar, mesmo quando o piloto tira o pé do acelerador, como nas frenagens.

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  O que mudará a partir de Silverstone é a intensidade dessa aceleração quando o acelerador não está acionado: em vez de 100%, como trabalha a maioria das equipes, será autorizada apenas 10% a mais da aceleração da que seria a normal para aquelas condições. Obviamente, os carros passarão a gerar menos pressão aerodinâmica.

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  Ok, verdade, não foram poucas palavras.

  Ouvi textualmente de Adrian Newey: "Aceito que se mude a regra em pleno campeonato se for por um bom motivo, como segurança. Mas esse não é o caso agora. É um absurdo". E o diretor da Renault, Eric Boullier, também falou ao Estado: "Concebemos nosso carro sob esse princípio, já em uso no ano passado por algumas equipes. Passamos pela inspeção técnica no início do campeonato. Mudar agora provavelmente comprometeria nossa possibilidade de conquistar bons resultados este ano."

  Voltando ao princípio do texto: por qual razão a FIA descobriu só agora, quase na segunda metade da temporada, que o sistema é ilegal se, já em 2010 e antes de começar o Mundial, a própria entidade homologou os carros, tendo ciência de que as centrais eletrônicas de gerenciamento do motor, fornecida por ela mesmo, elevavam a aceleração nas frenagens para gerar maior pressão aerodinâmica?

  A resposta é simples: deseja que a Red Bull perca força, pois o modelo RB7 é o que melhor desfruta do princípio, e assim a definição do título se estenda até as etapas finais. Ou seja, proibir o escapamento aerodinâmico não representa uma decisão técnica, mas puramente política. Com possíveis desdobramentos na área esportiva.

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  Historicamente é assim. Quem já esqueceu a proibição do amortecedor de massa da Renault em agosto de 2006, quando Fernando Alonso, da Renault, ameaçou seriamente a possibilidade de Michael Schumacher, da Ferrari, ser campeão do mundo? Ou no GP da Itália daquela mesma temporada quando Alonso perdeu posições no grid por ter "atrapalhado" a volta lançada de Felipe Massa, da Ferrari? Largou em décimo.

  Esse foi um dos maiores acintes que vi em meus mais de 20 anos de Fórmula 1. Schumacher havia anunciado naquele GP a aposentadoria no final do ano. Ficou nítida a sensação de que desejavam vê-lo campeão novamente.

  Dentro da pista, não existe manipulação. O resultado é o que se apresenta na bandeirada. Mas fora dela, quando possível, como agora, por que não dar uma mãozinha e estender a definição do campeonato até as corridas da Índia, Abu Dabi, pelo menos. Interlagos, encerramento do calendário, seria demais, não? Pena que, num certo sentido, de forma artificial.

  Mas o que talvez a FIA não saiba é que Newey já trabalha no túnel de vento, como as demais equipes, no projeto do carro sem o escapamento aerodinâmico. Não me surpreenderia se a perda de performance do modelo RB7 ficar aquém do esperado pelos que decidiram intervir na disputa. Seria, aliás, bárbaro.

  Abraços!

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