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Um blog de futebol-arte

A alma varzeana e os profissionais

16/1/2007

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Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Lendo o diário espanhol El Pais, deparei com uma manchete que não esperava encontrar em jornal tão sóbrio: "Hartos de Riquelme". Quem estava farto do argentino Riquelme? Seu clube, o Villarreal, que deve ter motivos para isso. Tanto assim que seu presidente Fernando Roig rosnava: "Obedecerá o clube e cumprirá suas obrigações ou terá problemas comigo." Bem, eu sei que o Riquelme tem o ar meio indolente e fez uma Copa muito ruim. Guardadas as proporções, foi uma decepção tão grande quanto a de Ronaldinho Gaúcho. Não rendeu. Escondeu-se do jogo. E, parece, está fazendo a mesma coisa em seu clube. Só que lá ninguém vai lhe dar moleza. O El Pais desfia um rosário de queixas contra ele: falta de empenho nos treinamentos, desleixo, temperamento forte e incompatível com o rendimento em campo. E, sobretudo, tédio. O articulista até compreende: o atleta tem 28 anos, treina de maneira profissional desde os 10, quando surgiu no infantil do Argentinos Juniors. É tudo verdade. Mas o que tem a ver o Villarreal com isso? Esse é o futebol profissional - e é onde eu queria chegar. Porque, para falar bem a verdade, tenho tanto interesse pelo destino do Riquelme quanto pelo do Villarreal; ou seja, nenhum. O que me importa é o que esse caso significa: nesse futebol de alto profissionalismo o cara é contratado a peso de ouro e quem paga exige. Se não funciona bem, dança, chame-se Riquelme, Ronaldo, Beckham ou Robinho. Não vejo em nenhum clube europeu a possibilidade de um relacionamento amadorístico como o que o Romário tem com o Vasco, por exemplo. Lá, é relação patrão-empregado, sem nenhuma conversa. E, quanto mais o profissional fatura, mais lhe é exigido. Uma contrapartida lógica, no contexto do capitalismo da bola. Por isso não tenho nenhuma dificuldade em entender porque alguns jovens, brasileiros ou de outra nacionalidade qualquer, não dão certo quando vão para a Europa de maneira prematura. Simplesmente ficam aquém da expectativa do investidor. Ganham algum tempo de tolerância e depois acabou-se: devem render, retornar o investimento. Essa sensação de que precisam mostrar serviço, muito e rápido, deve ser de fato desgastante. Mas é o preço a pagar. Ou melhor: a retribuir. Não tenho peninha nenhuma deles. Estão sendo cobrados à altura do valor em que são cotados. Esse é um modelo para nós? A julgar pelo que escrevem por aí, não existe outro. Eu não gosto. Mas devo admitir, embora fira meu ego, que o mundo real não me consulta antes de tomar o seu caminho. Em todo caso, a minha preferência pessoal ainda pende para um certo amadorismo, embora saiba que este, em estado puro, nem nas peladas ou no society de fim de semana existe mais. Mas gosto de pensar que o futebol ainda comporta alguma coisa além da contabilidade, da relação custo-benefício ou de outra estatística econômica qualquer. E assim me agrada pensar que ainda existe no nosso futebol alguma coisa rústica, irredutível à racionalidade, uma "alma varzeana", que tanto o condena a absurdos capazes de levá-lo à decadência como o redime do tédio infinito do futebol profissionalizado ao extremo, como o da Europa. O que falta para o Riquelme é talvez uma boa temporada em um dos nossos bagunçados clubes. Ou, por que não?, no seu Boca Juniors com seus hinchas furiosos, dos quais ele ainda deve sentir saudades, se continua a ser gente. Pressão européia às vezes pode ser forte demais para alguns jogadores

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