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Um blog de futebol-arte

A beleza da tática

Estamos acostumados a pensar a beleza do futebol em termos de dribles, jogadas e gols espetaculares. É justo. Mas há outra beleza, a da tática, que também deve ser levada em conta pelos apreciadores. Foi esta o que de melhor se viu na vitória do Palmeiras por 3 a 1 sobre o Santos. Depois do jogo, no vestiário, Candinho, fazendo jus ao nome, foi límpido e sincero: "Se fôssemos enfrentar de igual para igual um time como o Santos, estaríamos perdidos." O que fez? Montou um esquema defensivo com três zagueiros e volantes de contenção e limitou-se a atacar o oponente em contra-golpes. Do outro lado, o Santos, quando conseguia criar, perdia gols nos pés do displicente Deivid. Quem não faz, toma, diz o refrão manjado. E o Palmeiras abriu o marcador com Daniel. Para o segundo tempo, Oswaldo tirou Tcheco, contundido, e colocou Basílio, deixando o time mais ofensivo ainda. Podia ter dado certo. Mas toda opção tem seu preço - e o desta foi abrir uma avenida por onde o Palmeiras podia se infiltrar em meio à frágil defesa santista. Esperto, Candinho colocou por ali Pedrinho, que acabou definindo o jogo. Visto assim, o futebol parece xadrez, que é também um jogo lindo. Mas, no gramado, as "peças" são humanas e elas é que dão vida e sangue àquilo que se desenha na cabeça do técnico. E, então, entra em cena a técnica, ou às vezes, a falta dela. Mesmo em tarde infeliz, e vigiado de perto, o bom ataque do Santos criou várias chances de gol, mas encontrou a categoria de Marcos pela frente. E Pedrinho mostrou que a qualidade faz a diferença. Com ele, os antes inócuos contra-ataques alviverdes tornaram-se fatais. Simplesmente porque agora encontravam quem sabia o que fazer com a bola. Não adianta correr com o balde d'água se não se sabe onde está o incêndio, como se diz nos botecos. A vitória do Palmeiras, por esse placar, foi justa ou injusta? A pergunta surge porque o Santos teve mais volume ofensivo, mais chances de gol, e tendemos a dar preferência, por uma questão cultural, ao futebol que se joga no ataque. Mas seria injusta por quê? Os três gols foram legítimos, sem nenhuma discussão. Classificá-la de "injusta" seria a mesma coisa de dizer que a vitória de Muhammad Ali sobre George Foreman na célebre luta pelo título mundial em 1974 também foi injusta. Veterano e mais fraco fisicamente do que Foreman, Ali permaneceu sete assaltos nas cordas, tomando uma surra aparente, enquanto cansava o adversário e o golpeava esporadicamente, minando suas forças. No oitavo round, num contra-ataque surpreendente, aplicou golpes fatais no gigante Foreman e o levou à lona. É considerada uma das maiores lutas da história do boxe e simboliza o triunfo da inteligência sobre a força bruta. No domingo, o Palmeiras deu um nó no favorito Santos, mais uma vez perdido na soberba e na confiança em sua suposta técnica superior. O futebol é mais do que técnica: é feito também de inteligência tática, dedicação e disciplina. Esta é a lição de sempre, que os boleiros, quando dizem que vão "levantar a cabeça e partir para a próxima", garantem ter aprendido, mas que nunca é assimilada por completo. RINUS MICHELS Quem gosta de ver o futebol também por seu lado tático ficou triste pela morte de Rinus Michels, criador do Carrossel Holandês, que assombrou o mundo na Copa de 1974. Aquele jogo, 2 a 0 para a Holanda, foi o maior vareio de bola que já vi uma seleção brasileira levar. Houve um momento - vá lá - em que o Brasil ensaiou qualquer coisa, se não me engano uma bola lançada na ponta esquerda para Paulo César Caju, que não aproveitou a oportunidade. Depois só deu Holanda. Foi talvez o último grande momento de criatividade tática no futebol contemporâneo. Mas não criou um novo paradigma. O esquema parecia tão dependente do cérebro de Michels quanto dos pés de Krol, Neeskens, Cruyff, Rep e Rensenbrink. Por isso, talvez, a Holanda de 1974 tenha sido uma experiência irrepetível. Só funcionava com aqueles jogadores. Sem os craques, a tática é letra morta na prancheta do treinador.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

8/3/2005

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