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Um blog de futebol-arte

Agonia e êxtase

A quem lhe perguntava por que motivo ia ao Maracanã, José Lins do Rego respondia: "Vou para viver." Para o autor de clássicos da literatura brasileira como Menino de Engenho e Fogo Morto, era lá, no meio do povo, em dia de jogo, que estava a vida. A vida verdadeira, real. A vida intensa. Zé Lins, como o chamavam, foi também cartola do Flamengo, cronista esportivo e chegou a chefiar uma delegação da seleção brasileira no exterior. Era um bicho do futebol e sabia do que estava falando. Cansado do tédio da vida cotidiana, o homem busca no estádio aquilo que é excepcional. Neste fim de semana mesmo, alguns jogos em particular ofereceram essa intensidade de vida a que aspirava o genial Zé Lins e a que aspiramos todos nós. Refiro-me às vitórias do Flamengo sobre o Goiás por 1 a 0, do Corinthians sobre o Atlético-PR por 2 a 1, e a do Santos sobre o Internacional pelo mesmo placar. Poderia ajuntar a heróica resistência do Palmeiras que, com nove jogadores, conseguiu sustentar o empate de 0 a 0 diante do Fortaleza. Não me venham dizer que foram jogos de técnica limitada, etc e tal, essa ladainha de observadores entediados. Foram, sim, jogos de alta tensão dramática, que proporcionaram aos espectadores tudo aquilo que se vai buscar num estádio - sofrimento, dor, alívio, redenção. Agonia e êxtase. Para o Palmeiras, essa resistência de nove homens, que se agüentam quando tudo parece desabar, teve sabor de vitória. Assim, o pontinho conquistado fora de casa (e a manutenção da invencibilidade pós-Copa) caiu como dádiva para sua torcida. Nos casos de Corinthians, Flamengo e Santos foram vitórias sofridas, com gols de última hora ou, no caso do Timão, com o adversário perdendo o empate na hora agá, já que o volante Paulo Almeida tirou a bola de cabeça, em cima da risca, no último minuto. O Mengão marcou com Obina nos descontos e vi o que isso significou para sua torcida porque tenho flamenguistas dentro de casa, que não paravam de pular e gritar como se tivessem ganho a Copa do Mundo. E tinham mesmo, porque do ponto de vista do torcedor é seu time o que importa. Com sua vitória agônica, o Mengo saía da zona de rebaixamento. Com sua vitória suada, o Corinthians quebrava a série de maus resultados. Com sua vitória improvável, o Santos voltava a encostar na ponta da tabela. Mas esses lucros, digamos assim, práticos, numéricos, não contam tudo da importância dessas vitórias. Na Vila Belmiro, por exemplo, houve mais emoção com esse jogo diante do Inter do que com uma conquista de campeonato. É assim mesmo: partidas criam suas próprias histórias e a desta foi eletrizante, como não se imaginava a princípio. Os ingênuos acreditavam que seria fácil derrotar os reservas do Inter, mas estes se provaram melhores do que muitos titulares que andam por aí. E fizeram 1 a 0 logo aos 10 minutos do primeiro tempo com Iarley. O tempo foi se arrastando e nada do placar se alterar. Quando Reinaldo foi expulso e Maldonado saiu contundido, o Santos ficou com nove em campo. E toda esperança pareceu vã, como no verso de Dante. Mas então o time resolveu mostrar de que material era feito. Um jogador, até ali tido como modesto, Wendel, decidiu que aquele era o seu dia. Sua hora e sua vez. Verteu sangue em campo, como deve fazer qualquer um que honre sua camisa. E foi recompensado com os dois gols da virada. Deu a louca no mundo? O fato é que Wendel chutou uma falta como Pepe e cobrou um pênalti com paradinha de Pelé. Como explicar? Algo me diz que um pouco da magia de que é feito o futebol esteve em campo domingo à tarde no velho estádio Urbano Caldeira. Como esteve no Maracanã e no Pacaembu. Um retrato distanciado desses jogos não constata nada disso. Mas registros "frios e objetivos" não ignoram justamente aquilo que é o fundamento do futebol?

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

8/8/2006

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