Foto do(a) blog

Um blog de futebol-arte

Bons e maus enredos

Estranho e interessante este Campeonato de 2006. Este mesmo que tem na zona de rebaixamento o atual campeão brasileiro e o vencedor da Copa do Brasil. Este mesmo que traz redivivo um Palmeiras que já se julgava jogado às traças. Este mesmo que apresenta uma (até agora) sólida coerência na ponta da tabela, ocupada pelos melhores do País, São Paulo, Internacional, Cruzeiro e Fluminense. Mas lá continuarão? Será o São Paulo tão inexpugnável quanto se supõe? O bom e diversificado elenco do Inter será suficiente para mantê-lo em cima? Cruzeiro e Fluminense, tão bem montados, não mostram também certa irregularidade? Mas quem poderá ameaçar esse quarteto? O Santos, que enfiou quatro no Expressinho do São Paulo, placar com o qual nem o mais fanático torcedor peixeiro poderia sonhar? O Paraná, time valente e estruturado, como mostrou mesmo perdendo no sábado no Parque Antártica? Ou o Vasco, que provou ter assimilado a derrota contra o rival Flamengo? O fato é que o campeonato parece bastante empolgante nesta retomada. Tem seus protagonistas, mas nenhum deles é um super-herói. Tem aqueles personagens que começam pequenos e podem crescer no meio da trama, como Santos, Paraná, talvez Vasco. Tem outros capazes de recuperações épicas, como o Palmeiras e o Santa Cruz. E tem seus candidatos aos papéis trágicos, como o Flamengo e, mais do que todos, o Corinthians. No que vai dar essa história toda? É a pergunta que fazemos ao entrar em um teatro para assistir a uma peça ou num cinema para ver um filme. No futebol não é diferente. INÍCIO DA ERA DUNGA Como interpretar os nomes que serão conhecidos hoje? Como pistas seguras para o caminho da renovação? Nada mais falso, porque Dunga já avisou que não irá chamar as estrelas européias, não porque elas afinaram na Copa mas porque estão voltando aos seus clubes para o início da temporada e precisam ser poupadas. Assim, Dunga terá de se virar com o produto nacional mesmo, este que vemos no Campeonato Brasileiro e, ainda por cima, sem São Paulo e Internacional, que estão na Libertadores. Pode incluir jogadores do Leste Europeu e aí sim talvez haja novidade. Mas, enfim, tudo isso é fumaça porque esse jogo com a Noruega não passa de mais um caça-níqueis acertado com o patrocinador. Esse tipo de compromisso limita demais o trabalho técnico e faz parte de um enredo cujo desfecho assistimos na Alemanha. Nada indica que algo irá mudar para valer, porque os patrões do jogo continuam os mesmos. Por isso, essa era Dunga tem toda a pinta de ser cosmética e não a revolução radical exigida depois do fiasco. Dunga só tem falado em vibração e raça, porque foi o que faltou na Copa. Ele mesmo disse que só com esses ingredientes emocionais não se faz um time vencedor (sem eles também não se faz). É preciso técnica, sabemos todos. Mas não vi ninguém perguntar a ele se tem uma idéia de jogo definida, se formulou alguma proposta tática para montar o time e se está disposto a discuti-la com os mortais, que somos nós. Há um silêncio constrangedor em torno desse ponto. Não é só isso. Depois da sua mais vergonhosa participação em uma Copa do Mundo, o Brasil poderia aproveitar o trauma e dar uma parada para se repensar, da cabeça aos sapatos, como dizia Nelson Rodrigues. A vida nos dá esse tipo de oportunidade quando chegamos ao abismo e o contemplamos. E qual é o xis da questão? Simples: falta projeto ao futebol brasileiro, quer dizer ao futebol jogado aqui, na nossa terra. Seria preciso rediscuti-lo, do calendário à legislação, examinar suas fragilidades, propor medidas para aperfeiçoá-lo, de modo que a seleção fosse conseqüência da sua força e não um ser alienígena e lucrativo, explorado por uma entidade que paira acima de todos e não dá satisfações a ninguém. Não me iludo: para chegarmos a isso teria de tombar aquela Bastilha situada na Barra da Tijuca. Para que voltasse ao povo o que do povo deveria ser - a sua seleção.

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

1/8/2006

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.