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Um blog de futebol-arte

Depressão italiana

Quando vim para a Itália pensei encontrar um país em estado de graça pela conquista do Mundial da Alemanha. Que nada. Vi mais torcedores exasperados do que felizes. De certa forma, o escândalo no futebol, o Calciopoli, como chamam por aqui, anestesiou a alegria da quarta estrela na camisa da Azzurra. Pior ainda: nem mesmo a seleção vem se comportando à altura do que dela se espera. Agora sob o comando do ex-jogador Donadoni (inexperiente como técnico, a exemplo de Dunga), a Itália vem decepcionando nos jogos classificatórios para a Eurocopa de 2008. Empatou em casa com a fraca Lituânia (1 a 1) e - pior - perdeu para a França por 3 a 1, em jogo considerado revanche da final de Berlim. A derrota foi recebida com paixão meridional e já começa a se falar que a seleção não é tudo isso, que a França a botou em seu devido lugar, que o momento é de colocar os pés no chão, que talvez fosse melhor alguém mais experiente para substituir Lippi, etc. Nada que a gente não conheça por experiência própria, aplicada aos nossos próprios clubes e à seleção brasileira. Somos muito parecidos com os italianos e, como eles, não temos a paciência necessária para um trabalho a longo prazo. Queremos resultados. Racionalidade diante do tempo é coisa de anglo-saxão. Não serve para o nosso sangue latino, que ferve, e por qualquer motivo. Mas a seleção é só capítulo à parte no baixo astral italiano. Este se concentra mais é no campeonato, aliás, nos dois, as Séries A e a B, que começaram neste final de semana. A Juventus, rebaixada para a B por causa do escândalo, não deu sequer a alegria de bom início aos tifosi, empatando com o Rimini. Encontro muitos torcedores da Juve aqui em Veneza e todos se dizem revoltados com o rebaixamento. E, mais ainda, com a cassação de dois scudetti, símbolo dos títulos conquistados. Quem exibe agora o scudetto, o emblema da federação italiana que enfeita a camisa do campeão, é a Internazionale de Milão. E este tem sido o motivo da maior parte das brigas nas mesas-redondas na televisão. Sigo algumas delas e - nesse ponto também - somos muito parecidos com eles. Na mesa-redonda à italiana a regra número um é banir a objetividade. Cada "analista" encarna o papel de torcedor de algum dos grandes times. São personagens clubísticos, torcedores midiáticos e não analistas frios, reunidos para debater o futebol. Os comentaristas alinhados com a Juve têm se dedicado a cuspir fogo sobre os adversários. Dizem que a Inter deveria se envergonhar do scudetto obtido não no campo de jogo, mas sul tavolo, na mesa, que, em tradução livre, seria nosso famoso tapetão. Enfim, a Inter tornou-se o adversário a ser abatido. Com a Juve na Sibéria da Série B e o Milan penalizado em pontos, o time da Internazionale (que faz jus ao nome, pois só tem cinco italianos inscritos em seu elenco) desponta como grande favorito para manter na camisa um scudetto que não ganhou no campo. Enquanto isso, as torcidas e boa parte da imprensa choram a debandada de vários jogadores de primeira linha, como Thuram, Zambrotta, Emerson, Shevchenko, que foram seguir carreira em outras plagas. A Juve perdeu até seu técnico, Fabio Capello, que foi treinar o Real Madrid e se diz encantado com o Campeonato Espanhol. Enfim, a Itália é tratada pelos italianos como se fosse o último dos mundos, esquecendo-se que a TV por assinatura Sky está pagando nada menos que 40 milhões de euros pela transmissão da Série B, um rico filão agora com a Juventus. Somada a torcida da Juve (a maior da Itália) às de Napoli, Genoa, Bologna, Verona e Bari tem-se na Série B metade dos tifosi do país. Daí os 40 milhões da TV, uma montanha de dinheiro. Seria interessante comparar com o que a Globo paga pela nossa Série B, também cheia de times populares como Náutico, Paysandu, Sport e Atlético Mineiro. Se os italianos choram, nós o que deveríamos fazer?

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

12/9/2006

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