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Um blog de futebol-arte

O craque e a tática

Amigos, se vocês fossem obrigados a escolher ficariam com o craque ou com a tática? Penso nisso a partir de dois jogos interessantes deste fim de semana. O primeiro: Fluminense x Santos. Talvez não exista no Brasil time mais bem armado, taticamente, do que o Santos. Bem distribuído em campo, atletas cumprindo suas funções de maneira disciplinada, o Peixe dominou o jogo contra o Fluminense na maior parte do tempo. Criou chances para marcar e não marcou. Em lance fortuito, um chutão da defesa para o ataque, entra em cena um zagueiro desastrado, mete o cocuruto na bola e marca contra. O time que fez tudo certinho perde a partida. O outro jogo: Vasco x Corinthians. Talvez não haja time mais bagunçado no futebol de elite do Brasil do que o Corinthians. O comportamento desordenado dentro do campo parece refletir, de alguma forma, a guerra política do clube, que acontece fora do gramado. O Timão conta com grandes jogadores, mas estes não parecem conversar entre si. Futebolisticamente falando, claro. Começou perdendo por 2 a 0 em São Januário e já se temia por uma goleada diante do Vasco. Como todos sabem, com garra e graças aos talentos individuais de Carlos Alberto e Nilmar, virou para 4 a 2, na partida mais empolgante do fim de semana. Conclusão: precisamos de disciplina tática, sim, mas ela é insuficiente. Sem a dedicação e o talento dos jogadores acima da média, ela não basta. Pode atenuar as deficiências de um elenco, mas é incapaz de fazer de um conjunto mediano uma equipe vencedora. Alguém vai dizer: no futebol existe o imponderável, o acidente, o não previsto, aquele personagem que Nelson Rodrigues chamava de Sobrenatural de Almeida. E este marcou sua presença domingo no Maracanã, resolvendo o problema do apático Fluminense. Certo. Mas depois do acidente, o desastroso gol contra de Luís Alberto, o Santos teve 23 minutos para empatar e virar. Não havia um único jogador lá na frente que fosse decisivo. E enfiasse a bola na rede, que é o que conta.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Já o badernado Corinthians tinha os craques para resolver o problema e se deu bem. A tática representa a força da lógica. Trabalha no domínio do previsível, da ordem, da razão. O craque inventa a sua própria lógica. O craque é o curto-circuito no sistema. Aquele que obriga o sistema a se reinventar. É o que está em falta no futebol brasileiro, sendo o Corinthians uma das raras exceções. Comparando os dois times paulistas, o que temos? Um, o Santos, que com o atual elenco parece no limite da sua eficiência. Não tem muito mais como crescer. Está certinho, redondo, mas lhe falta a faísca de talento, aquela que faz a diferença entre os times competentes e os realmente grandes. Já o Corinthians dispõe de muito espaço para melhorar. Está longe de mostrar todo o seu potencial. Aliás, está devendo há muito. Mas, se conseguir administrar a própria cabeça e ordenar-se, pode ir muito mais longe. A tática não é uma camisa-de-força para o craque, pois ele sabe como negá-la quando preciso.

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NOVOS DESAFIOS

Os clubes brasileiros têm novos desafios a vencer além dos já conhecidos como a perda de jogadores no meio da temporada, a fragilidade econômica, a politicagem interna, o descaso da CBF, o anacronismo de gestão de alguns deles, etc. Com o furor punitivo dos tribunais,agora são obrigados a dedicar boa parte da sua energia e tempo para resolver o problema de jogadores e técnicos suspensos, julgamentos refeitos, sentenças draconianas. Vivem agora sob ameaça constante de procuradores insaciáveis com seus livros da lei sob o braço. Nada disso acontece por acaso. O futebol faz parte do mundo e reflete o que acontece nele. Com a crescente americanização da sociedade brasileira, também o futebol está sendo levado com freqüência maior às barras dos tribunais, que intervêm cada vez mais no andamento e resultado dos campeonatos. Hoje, um advogado eficiente é tão importante para um clube quanto um centroavante matador. Há quem veja nisso um progresso. Não eu.

23/5/2006

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