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Um blog de futebol-arte

O jogo é jogado, lambari é pescado

Um amigo santista me disse que a rodada de domingo tinha sido perfeita. "Quer dizer, só não foi perfeita porque não foi a última", acrescentou. Sim, os torcedores do Santos e do Atlético-PR estão tendo semana longa, todos à espera do domingo, quando aí sim cai o pano sobre o último ato do Brasileirão-2004. Com a brutal reversão de expectativas pelos resultados dos jogos entre São Caetano x Santos e Vasco x Atlético-PR, os matemáticos refizeram contas e os profetas deram uma lustradinha em suas bolas de cristal. Aliás, com a proximidade do desfecho, fica cada vez mais fácil acertar nos "cálculos" e nas previsões, desta vez com tudo a favor do Santos. Domingo, com os jogos encerrados, será o dia do "Eu não disse?" E todos terão razão. Quanto a mim, mantenho ceticismo total em relação a prognósticos. Para mim, o futebol é mistério, é mágica, é algo romântico. Não é ciência exata. Aos números dos estatísticos, prefiro a serena sabedoria dos boleiros, que dizem sempre: "O jogo é jogado, o lambari é pescado." A bola é redonda, a partida começa em 0 x 0 e tem onze pra cada lado. É daí para a frente que se faz a história do jogo. Penso que seja assim também que se construa a história dos homens. Para ficar num exemplo do último domingo, quando o Once Caldas disputou o Mundial Interclubes com o Porto. Por pouco o retranqueiro time colombiano estraga a festa do campeão europeu, favorito disparado nas apostas dos analistas. E, de fato, o Porto fez tudo certo: criou e perdeu vários gols. Teve um anulado, de forma irregular. Chegaram à prorrogação, e nada. Foram à disputa de pênaltis, a ratoeira armada pelos colombianos. Nesta, o Once teve o título nos pés, quando ficou em vantagem, mas seu jogador mais técnico, o argentino Fabbro, chutou na trave. Os portugueses aproveitaram a oportunidade e faturaram. Quer dizer, o Porto fez tudo certo e deu em nada. Caiu no jogo do Once - e neste, venceu. Onde a ciência de uma coisa dessas? Não vejo. Descreio. E prefiro os palpites de botequim, que tantas vezes dão certo, desde que não entre em campo aquele personagem batizado por Nelson Rodrigues de Sobrenatural de Almeida. O que pode a lógica contra o Sobrenatural, ou seja, o frango do goleiro competente, o amarelão do matador, a falha do zagueiro de seleção, a bola chutada sem pretensão e que entra no ângulo, o morrinho artilheiro? Esses "acidentes" estão sempre rondando a lógica do jogo, comprometendo-a, roendo-a por dentro. Mas também é claro que o segredo é agir como se tudo pudesse ser planejado e compreendido dentro dessa mesma lógica, e fingir que o acaso não existe. Daí o sucesso de técnicos obsessivos - como o Luxemburgo - que agem como se pudessem domar o destino pela escalação correta, pela estratégia, pela tática, pelo treino. Pela atenção ao detalhe. Deus está nos detalhes, diz uma velha frase. Outra versão afirma que é o diabo que mora neles. Mas tanto faz. Cada vez mais, graças ao equilíbrio entre as equipes, os jogos ganham-se ou perdem-se por um nada, por um fiapo. Outro amigo comentou: "Certo, ele existe, mas não se pode dar mole para o Sobrenatural de Almeida; senão ele toma conta, se impõe e aí é o caos." Exemplos não faltam: Grêmio, Guarani, Flamengo, Vitória, Botafogo... Mas, no fundo, qualquer técnico consciente, qualquer boleiro, qualquer torcedor sabe que há uma margem de imponderável onde a lógica não entra, e que pode determinar a ida de uma equipe para o céu ou para o inferno. Planejamento em geral dá certo. Mas nem sempre. De modo que santistas e atleticanos terão mesmo de esperar pelo desfecho do ato final desse longo drama. A teoria só vem depois. E até nisso o futebol é uma lição de vida.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

16/12/2004

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