Talvez venha daí o nosso fascínio (muito maior do que seria razoável) pelos treinadores de futebol. Ouvimos o que dizem como se fossem oráculos. Tomamos tudo o que dizem ao pé da letra e bebemos suas palavras como se nelas estivesse contido o mel da sabedoria. O reverso disso tudo é que, quando pisam na bola e dizem algo desastrado, o mundo cai sobre suas cabeças. Amplificamos o peso do que dizem - para o bem e para o mal. Daí o zelo extremo que eles passaram a ter com o que falam, cuidado muito maior do que têm com aquilo que fazem ou pensam.
Palavras podem curar. Ou matar. Ainda mais se aliadas a certas circunstâncias. Silas foi fritado na mesma fogueira que consumiu Zico, uma das poucas pessoas acima do bem e do mal do mundo do futebol, e ainda mais no Flamengo, onde foi e é ídolo maior. Caiu, tragado pela crise geral que ameaça a estrutura do atual campeão brasileiro. Aliás, o que acontece hoje no Flamengo é desafio digno de uma junta de sociólogos, filósofos e psicanalistas. É como se houvesse um desejo de abismo encravado lá no inconsciente da Gávea. Em todo caso, se tivesse calado a boca, é provável que Silas ainda estivesse por lá, apesar da má colocação do time que dirigia.
Silas foi destronado, supostamente vítima de sua declaração infeliz. Talvez repense sua carreira a partir desse mau passo e recorra à metodologia da hora no mundo do futebol - o tal "media training". Está na moda e vários profissionais da bola a ele se submeteram. Um deles, dizem, é o santista Neymar que, enquanto não domina a técnica de falar com a imprensa, tem mantido o voto de silêncio, como se fosse um monge trapista. Quando estiver mais treinadinho, supõe-se, soltará o verbo. Mas, então, o fará com cautela, pertinência e propriedade. Afinal, vivemos no admirável mundo midiático e toda personalidade pública precisa ser adestrada na arte de se comunicar sem se comprometer. Ou seja, pronunciar um monte de palavras e, no fundo, não dizer nada.
E por que isso acontece? Porque, no futebol como na política, você tem de tomar todo o cuidado para ser anódino, neutro e opaco no que diz, já que existe sempre alguém querendo jogar suas palavras contra você mesmo. O tal do media training, a que os boleiros estão sendo submetidos, é o equivalente, no futebol, ao discurso marqueteiro que matou a troca de ideias e debates (para valer) no universo da política. Depois nos queixamos de que o mundo está ficando chato, sem examinarmos a parte de responsabilidade que nos cabe nessa monotonia sem fim.
Boleiros, 5/10/2010