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Um blog de futebol-arte

Onde a grama não cresce

Dida será o primeiro goleiro titular negro da seleção desde Barbosa. Quem?, irá perguntar o leitor mais jovem. Moacir Barbosa, goleiro de 1950, que acabou estigmatizado pelo gol tomado do uruguaio Gigghia na final da Copa, quando o Brasil perdeu o título dado como certo. Essa é considerada a maior tragédia do futebol brasileiro. Nelson Rodrigues a chamava de "a nossa Hiroshima". Às vezes usava uma variante e dizia que aquela derrota era uma humilhação "pior do que Canudos". Dida, em entrevista na Suíça, disse a coisa certa: deveriam pensar nas defesas que Barbosa fez e não unicamente no gol que tomou.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Verdade pura. O problema é que ao goleiro não é dado o direito de errar, como aos jogadores das outras posições. Um atacante pode ser vaiado pelo gol perdido. Mas as conseqüências nunca são tão graves quando se trata de um goleiro que falhou em bola defensável. Daí a condição trágica dessa posição. Antigamente se dizia que onde ele pisava não nascia grama. E esse foi o destino de Barbosa. Já idoso, ele se lamentava de que embora a pena máxima no Brasil fosse de 30 anos, a dele era uma condenação perpétua. Cabe lembrar que, junto com Barbosa, outros dois jogadores foram responsabilizados pela derrota para o Uruguai - Bigode e Juvenal. Ambos também negros.

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Na visão preconceituosa da "elite branca" (para falar como o governador Claudio Lembo) os negros e mulatos não teriam temperamento estável para as grandes decisões. Esse julgamento persistiu até a Copa de 1958. Na excursão prévia que a seleção de 58 fizera à Europa, os dirigentes concluíram que os negros e mestiços brasileiros eram muito bons de bola, mas psicologicamente frágeis, além de não saberem usar corretamente os talheres à mesa. Assim, se em cada posição o escrete pudesse usar um branco ao invés de um negro ou de um mulato as coisas iriam melhor. A exceção era Didi, porque para este não havia substituto. Até que, afinal, no jogo contra a Rússia, por imposição do elenco, entraram Pelé e Garrincha, e o resto é História. No último jogo, o grande Djalma Santos ocupou a lateral-direita e foi considerado o melhor da posição, apesar de só ter atuado contra a Suécia. Aquele foi o primeiro esquadrão multirracial a levantar uma Copa do Mundo. E serviu de modelo para os outros.

Dida, algumas gerações depois, já chegou com o caminho aplainado. Mas, mesmo as outras seleções, que espelhavam muito bem a nossa população multiétnica, sempre haviam reservado o gol aos brancos. Como se deles fosse privativa a função de defender a meta, que os locutores da antiga chamavam de "último reduto". Cabia a eles a salvação da pátria. Gilmar vestiu a camisa 1 em 1958, 1962 e 1966 (Manga, o reserva negro, jogou apenas contra Portugal), Félix em 1970, Leão em 1974 e 1978, Valdir Perez em 1982, Carlos em 1986, Taffarel em 1990, 1994 e 1998, Marcos em 2002. Portanto, foi muito bonito que, nesse seu momento de realização profissional, Dida tenha se lembrado daquele velho goleiro injustiçado.

ENVIADO ESPECIAL

Como está todo mundo em Weggis, ou com a cabeça em Weggis, sinto-me um pouco como uma espécie de enviado especial ao Brasil. Assim, cabe lembrar que existe um Campeonato Brasileiro em andamento. E que este campeonato apresentou algumas partidas interessantes, como a vitória do Santos sobre o desfalcado Corinthians, em jogo de técnica fraca, mas momentos de emoção. Os resultados do Fla-Flu e de Inter x Cruzeiro deixaram tudo embolado, com o Fluminense na ponta, mas ao alcance de Internacional, Cruzeiro, Santos e São Paulo. Eles não perderam o contato com o líder, como se diz na Fórmula 1. Já a situação do Corinthians começou a se complicar, pois ficou a 10 pontos do primeiro colocado. E preocupante, para valer, é a do Palmeiras, que perdeu mais uma. Tite deve fazer como quando pegou o Corinthians em crise: fechar o time e fazê-lo parar de perder. Tem que melhorar o ânimo da tropa, e por isso a parada da Copa será muito benéfica para o Verdão. Mas sem contratações não há milagre possível.

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30/5/2006

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