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Um blog de futebol-arte

Quando a paixão é fundamental

A melhor solução para a falta de criatividade brasileira não entra em campo, mas mesmo assim Parreira não tem desculpa para voltar atrás e escalar o time sonolento dos dois primeiros jogos. Com Robinho fora de combate, ele bem que pode avançar Ronaldinho Gaúcho e colocar Juninho, sem falar no Gilberto Silva, que marca melhor que o Emerson e ainda sabe sair jogando. Deixemos de lado os laterais, porque a impressão geral é que ele entra mesmo com Cafu e Roberto Carlos, deixando alguma possível modificação para o decorrer do jogo. Enfim, como a minha bola de cristal continua pouco nítida, aderi à prática mais popular da atualidade - a "parreirologia", a pouco exata ciência de adivinhar o que se passa na cabeça do técnico. Como ele é uma esfinge - decifra-me ou devoro-te! - só nos resta deduzir o que vai por aquela massa cinzenta de alta racionalidade. Andaram até fazendo leitura labial para bisbilhotar as intenções ocultas do treinador e o flagraram soltando palavrões quando Ronaldo marcou contra o Japão, uma espécie de desabafo em relação aos jornalistas que pediam a cabeça do Fenômeno. Fiquei aliviado ao ler esta notícia, e explico por quê. Enfim o Parreira dá uma demonstração de humana emoção, mesmo errando o alvo. Ninguém questionou Ronaldo por motivos pessoais e sim porque ele jogou uma bolinha indigna do seu currículo nos dois primeiros jogos. Mas, enfim, Parreira explodiu e isso em si talvez já seja algo positivo, pois o mostraria apto a passar sentimentos para os comandados. O elenco, aliás, anda bem precisado de alguém que lhe dê uma sacudida, porque ficamos o tempo nos ocupando de um debate tático e técnico e nos esquecemos de que para vencer uma Copa do Mundo é preciso também outro ingrediente, um algo mais que atende pelo nome de paixão. Esta, eu ainda não vi dizer presente em jogos da seleção. E torço para que ela entre em campo hoje mesmo contra Gana. Tenho achado todo mundo tranqüilo, e no mau sentido do termo. Jogando serenamente, como se uma partida de Copa do Mundo fosse como outra qualquer, do Campeonato Espanhol ou do Italiano. Bons e corretos profissionais, estão lá, exercendo a profissão, um meio de vida, um ofício entre outros. Me lembro da frase de Gentil Cardoso (ou seria de Neném Prancha?) sobre a necessidade de o jogador ir na bola como o faminto vai a um prato de comida. Ou a de Nelson Rodrigues, dizendo que o ser humano não deveria sequer tomar um copo d'água sem um pouco de paixão. E, nesse ponto, não posso deixar de me lembrar, com alguma nostalgia, do tempo em que o Luis Felipe Scolari dirigia a nossa seleção. Em especial depois de assistir àquele tórrido Portugal 1, Holanda 0. As opiniões sobre esse jogo estão divididas entre os meus camaradinhas de jornal. Há quem tenha visto nele um mero festival de pancadas, uma partida bestial que terminou com o número absurdo de quatro cartões vermelhos e 12 amarelos. E foi mesmo uma batalha campal, como manchetaram vários jornais. Teve tudo aquilo que o manual do politicamente correto aplicado ao futebol deplora - jogadas tão ríspidas que colocam o futebol no limite estreito entre o confronto simbólico e a guerra para valer. Claro, a transposição dessa fronteira não pode ser o ideal de ninguém de bom senso e, no limite, significa a própria destruição do jogo. Mas essa partida com certeza ficará para a história do futebol português, como, por exemplo, aquele inesquecível Santos 4, Milan 2, de 1963, permanece até hoje na memória dos santistas. Vejo nesses jogos exemplos desse traço sem o qual o futebol seria bem menos do que é - a paixão de vencer, qualquer que seja o sacrifício pessoal necessário para isso. Que essa emoção maior chegue para a seleção brasileira, juntamente com o "jogo bonito" que é sua melhor característica. É da soma dos dois que nasce um verdadeiro campeão.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

27/6/2006

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