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Um blog de futebol-arte

Tolerância Zero

Você, que gosta de futebol, já deve ter visto essas imagens umas dez vezes, no mínimo. A torcida imensa, em silêncio, paralisada; a moça chorando, com o olhar perdido, como se não acreditasse no que via; pessoas ao fundo, saindo devagar do estádio. São as cenas da pior derrota da história do futebol brasileiro, a perda da Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai. Bastava o empate. O Brasil abriu o placar com Friaça. Schiaffino e Gigghia viraram para o Uruguai. Fim de história. O que aconteceria hoje, diante de derrota tão fulminante? Tocariam fogo no Maracanã, linchariam os jogadores e o Rio de Janeiro seria saqueado? Não sei, mas, diante do que aconteceu no jogo entre Corinthians e River Plate, na quinta-feira, posso me permitir pensar que o futebol virou atividade de alto risco. É verdade, havia umas 30 mil pessoas no Pacaembu e os baderneiros não passavam de 200 ou 300, talvez um pouco mais, ou menos. Mesmo assim, fizeram um estrago danado e não apenas em termos materiais. O futebol, como um todo, sai prejudicado por acontecimentos como esse. O que se passou entre 1950 e agora? Por que a tolerância à frustração de uma derrota tornou-se tão baixa? Por que num caso se consegue administrar a dor de maneira civilizada e em outro ela vira agressão? Acho que são essas as questões que devemos tentar responder se quisermos entender alguma coisa do que está acontecendo nos estádios. E, por extensão, no resto da sociedade, já que o futebol é sempre reflexo de alguma coisa mais ampla do que ele. O fato visível é que uma parte dos torcedores passou a se comportar como criança birrenta, que grita e bate o pé quando não tem seus desejos atendidos de imediato. Inútil dizer que essas "crianças mentais" podem se tornar extremamente perigosas quando vêem suas exigências frustradas. A sociedade precisa se defender delas, não há outro jeito. Mas, ao mesmo tempo, precisamos compreender por que elas existem. Confiar apenas na repressão me parece ilusório. E pouco inteligente. Qualquer pessoa com a cabeça no lugar sabe que um grande time se constrói com bons jogadores, equipe técnica competente...e tempo. O que o Corinthians precisa? Pressão em cima dos jogadores? Não. Precisa de trabalho a longo prazo. Dois, três anos, sem ficar trocando de treinador a toda hora, sem jogadores entrando e saindo a cada mês. E é isso mesmo que Palmeiras, Santos, Flamengo ou qualquer outro time precisa. Tempo e tranqüilidade para crescer. Mas, será que, em nossa época frenética, um clube brasileiro, qualquer que seja ele, dispõe desse tempo para construir um time? Não. Existe um desespero crescente por resultados rápidos - tanto por parte da torcida quanto das diretorias e dos próprios jogadores. E, por que não dizer?, também por parte da mídia. Tudo é para ontem. Se o time perde dois jogos seguidos, o técnico cai. O jogador jovem, hoje saudado como o novo Zico, amanhã vira um perna-de-pau se negar fogo em duas ou três partidas. O boleiro promissor quer sair imediatamente para a Europa ou qualquer outra parte do mundo porque o empresário dele o convenceu de que está perdendo tempo no Brasil. Enfim, criou-se uma cultura do imediatismo, no futebol como no resto. Uma cultura infantil, que gera muita frustração. E, como se sabe, frustração leva à agressividade, em especial naqueles que são psicologicamente mais frágeis. Infelizmente, acho que enquanto estivermos mergulhados até o pescoço nessa cultura do imediato, sem nenhum senso crítico em relação a ela, cenas como as de quinta-feira tendem a se repetir. Vivemos no mundo do eterno presente, sem passado (que é coisa de velho) e sem futuro (que é abstrato, logo não existe). Tudo isso gera estresse, perda de lucidez, frustração. E muita agressividade. O futebol não seria exceção ao resto.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

9/5/2006

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