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Um blog de futebol-arte

Um jogo e três histórias

Algo de muito especial aconteceu domingo no velho estádio da Vila Belmiro. Não apenas o jogo - um dos melhores e mais emocionantes do campeonato - mas um curioso encontro de histórias que se cruzam. Em seu camarote estava Pelé, aquele que realizou uma história completa no Santos Futebol Clube. Chegou menino, com 15 anos, participou de 1114 jogos, fez 1091 gols, ganhou todos os títulos possíveis e imagináveis com a camisa branca, até sair, com 33 anos. Em campo, brilhava Giovanni, uma história que se reatava depois de rompida com a ida para o Barcelona. Com 33 anos, mesma idade do Rei ao deixar o Santos, Giovanni volta à sua casa, nove anos depois, exibindo um futebol refinado, inteligente, eficaz. Foi o astro do jogo. Jogando ao seu lado, Robinho, a história truncada do menino que surge em 2002, torna-se ídolo da torcida e vai-se embora, prematuramente, com 21 anos. No domingo arrastava-se em campo, um fantasma do que já foi. O idiotas da objetividade dirão que foi o mês parado em greve de bola, a falta de forma física e ritmo de jogo - todas essas boas e válidas razões. Verdadeiras, em parte. O que se via em campo, no duro, era um Robinho estranho a si mesmo, pouco à vontade numa casa que não é mais sua, diante de uma platéia que, se não o hostilizou abertamente, pelo menos o ignorou, o que talvez tenha doído mais do que uma vaia. Essas histórias se entrelaçam e se comentam de outras formas. A de Pelé, em número de gols, jogos e títulos é esmagadora. Consagrou para sempre a camisa 10. Giovanni até agora não ganhou nenhum título pelo Santos. Nos dois anos (1994-1996) em que ficou no Peixe fez a torcida esquecer um pouco a saudade que tinha de um camisa 10 de estatura real. Volta agora, talvez para escrever o resto daquela história interrompida. Robinho venceu dois Campeonatos Brasileiros e nunca quis vestir a 10 - achava que a 7 lhe dava mais sorte. Passada a mágoa, a torcida irá recolocar no museu afetivo alguns dos seus jogos mágicos, como a finalíssima do Brasileiro de 2002 contra o Corinthians. Até onde iria sua história no Santos se não tivesse resolvido cortá-la? Responder a isso é o mesmo que especular sobre o que teriam sido os poemas de maturidade de Rimbaud. Como disse, Santos 4 Corinthians 2 foi um dos mais emocionantes e melhores jogos deste campeonato, tantas vezes acusado, e com justiça, de pouco técnico e nivelado por baixo. Mas, de vez em quando, reaparece o grande jogo de bola que ainda subsiste neste país, apesar da espoliação futebolística a que somos submetidos. Por algum tempo, pelo menos, o Brasil volta a ser o país do futebol, como nos recentes Corinthians e Cruzeiro e neste inesquecível Santos e Corinthians. PS: Não é coincidência que o Corinthians figure nos dois melhores jogos. Cheio de defeitos, em especial na defesa, o Timão é a equipe mais vibrante do campeonato. A FORÇA DA GRANA Kia Joorabchian, da MSI, visitou o jornal na semana passada. Simpático, fluente, diz coisas que gostamos de ouvir: "É impossível perder dinheiro com o futebol brasileiro". Ou: "Se eu fosse Marcelo Teixeira não venderia Robinho, porque não se vende a estrela da companhia". Kia explica que precisa de jogadores de nome, como Tevez, porque eles valorizam os que jogam ao seu lado. Valorizam a camisa, que consegue mais do patrocinador. Com isso pagam-se melhores salários, e assim o mundo gira e a Lusitana roda. Kia parte do princípio de que quanto mais dinheiro circula em uma atividade, melhor ela é. E então lembro de Hollywood, que nunca foi tão rica como agora, quando os estúdios saíram da mão de gente ligada ao cinema e passaram para a dos financistas. Estão bilionários. Mas veja só os filmes que fazem. Têm de tudo, de grandes astros a efeitos especiais. Só falta alma. Você dirá que a alma não pode ser comprada, vendida ou medida. Mas todo mundo percebe quando ela não está lá. O futebol vai por aí?

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

2/8/2005

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