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Enquanto chora derrota, Camila vê pai arbitrar luta e algoz ganhar medalha

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Por Demetrio Vecchioli
Atualização:

Enquanto a mãe brasileira e a filha israelense se abraçavam e choravam, o pai, nissei, anotava o shido que seria decisivo para a judoca eslovena, que acertou uma cotovelada na sua filha duas horas antes, ganhasse uma medalha de bronze no Mundial de Judô. A história, das mais peculiares, aconteceu nesta quarta-feira, no ginásio do Maracanãzinho, no Rio.

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No centro dessa história está Camila Minakawa, paulistana de 23 anos que defendeu a bandeira de Israel no Mundial de Judô. Formada pela Hebraica, clube judaico da capital paulista, ela aceitou o desafio de se afastar dos pais/treinadores para morar em solo israelense e mudar de pátria.

Seu pai é Edison Minakawa, árbitro do Brasil no Mundial do Rio. "Ele é uma manteiga", conta Camila. Mas, sentado na mesa de arbitragem e vendo as lutas da filha, o sensei de 35 anos de judô não esboça reação. "Não quero misturar as coisas", justifica.

E foi assim praticamente desde sempre. Camila surgiu para o mundo do judô no Mundial Júnior de 2008, em Bangcoc (Tailândia), quando conquistou a medalha de bronze. O que foi um crescimento para ela, foi também para o seu pai, que, em seguida, foi convidado para passar a arbitrar em Mundial de adultos.

Camila defendeu as cores do Brasil até o ano passado. No Grand Slam do Rio, em junho de 2012, ficou com a medalha de prata na categoria até 57kg. Seria sua última luta pelo país em que nasceu. Em março deste ano, mudou-se para Israel.

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O interesse dos israelenses era antigo. Desde que, ainda na adolescência, Camila perdeu a final de uma Macabíada (a Olimpíada judaica) para Yarden Gerbi, israelense que nesta quinta-feira vai entrar no tatame do Maracanãzinho como favorita ao título da categoria até 63kg.

"Quando o atual presidente da Federação Israelense de Judô foi eleito, ele veio conversar comigo e disse que a primeira coisa que faria na presidência seria levar a Camila para treinar lá", conta Edison. A possibilidade de naturalização existia porque a mãe dela, Miriam, é judia e morou cinco anos em Israel - neste período, recebeu passaporte do país.

No começo de 2013, Camila tinha 22 anos e poucas perspectivas de disputar os Jogos Olímpicos do Rio pelo Brasil. Na mesma categoria, tinha a concorrência da medalhista olímpica Ketleyn Quadros e da agora campeã mundial Rafaela Silva. Aceitou o desafio de ir morar em Israel e treinar com Gerbi, hoje sua grande amiga e até mesmo professora.

A mudança foi em março. Desde então, pai e filha se falaram pessoalmente em mais uma ocasião apenas, na Macabíada deste ano. Edison foi a Israel como árbitro e Miriam, como técnica da Hebraica. Nem ali o pai pôde torcer para a filha, como costumava fazer sempre - o que leva Camila a dizer que o pai é uma "manteiga".

No Mundial do Rio, ele viu de longe as três primeiras lutas da filha, com vitórias sobre a finlandesa Satu Lehikoinen, a russa Irina Zabludina e a holandesa Juul Franssen. A mãe Miriam, enquanto isso, corria de um lado para outro, gritando, gesticulando: "Vai, Camila, vai, vai".

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Nas quartas de final, Camila tinha um wazari de vantagem sobre a eslovena Vlora Bedeti quando levou uma cotovelada na boca. O jeitão de mulher brava deu lugar a uma menina doce, que reclamou o lábio cortado. O episódio desequilibrou a brasileira, que, logo em seguida, sofreu um ippon.

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A mãe dela já havia avisado: "O técnico é duro, cobra, mas é um excelente técnico. Faz tudo pela atleta". Na saída do tatame, isso pôde ser visto em todo o trajeto até a entrada para os vestiários. Edison tentava, mas não conseguia desviar o olhar daquilo tudo. Ele parou para ver a última luta do dia, enquanto o treinador israelense, em inglês, questionava: "Você é uma mulher ou uma modelo?", perguntava, bravo, vendo que Camila não parava de mexer no lábio machucado.

"Ele é o técnico dela e eu não intervenho", explica Edison, que viu tudo calado. Nem mesmo após as competições, pai e filha comentam sobre o que ela errou. Também técnico, Edison não quer atrapalhar o trabalho do israelense.

Edison, aliás, evita qualquer exposição. No Rio, só encontrou Camila no Congresso Técnico do Mundial. Segundo ele, só piscaram um para o outro. Assim foi ao fim de todas as lutas da primeira fase e também quando ela foi eliminada da disputa pelo bronze, pela alemã Miryam Roper.

Logo em seguida, ele foi da mesa para o tatame. E quisera o destino que fosse de Edison a responsabilidade de ser árbitro da luta entre Bedeti e a japonesa Anzu Yamamoto, valendo bronze. O combate mal havia começado e Camila voltou para a arquibancada. De chinelo de dedo, calça e camisa de Israel.

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Assim que Miriam a viu, saiu em disparada. As duas se abraçaram e choraram por alguns minutos, juntas. Quem olhava a cena pelo corredor via, ao fundo, Edison dar o comando de shido para Yamamoto, decisivo para que Bedeti, algoz de sua filha, ficasse com a medalha de bronze.

Mal terminou a luta, Edison foi para o canto do tatame. Chamou a filha, que atendeu. Se até então os dois não haviam trocado mais do que piscadas, desta vez se abraçaram efusivamente por longos segundos. Muito mais do que um abraço de árbitro para judoca. Um abraço de pai, orgulhoso de uma filha que ficou em sétimo lugar do Mundial. 

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