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Opinião|Entre a vaidade e os princípios: o dilema de Tite para continuar ou não na seleção brasileira

Não há mais clima para o treinador continuar ao lado do presidente afastado Rogério Caboclo, caso ele volte ao comando da CBF após acusação se assédio sexual

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Foto do author Robson Morelli
Atualização:

Se tudo correr como se desenha, o presidente Rogério Caboclo não voltará para o comando da CBF. Acusado do crime de assédio sexual e moral, o dirigente está afastado do cargo por 30 dias inicialmente e terá de se defender diante do Comitê de Ética da entidade, tido como independente. Ele se diz inocente. Depois, terá ainda de se ver com a Justiça Comum do Rio.  Para Tite, a queda de Caboclo salvou sua pele. Ele e o chefe não se bicam mais. Dificilmente vão continuar juntos caso o dirigente retorne ao cargo. Então, para Tite, o afastamento de Caboclo foi fundamental.

 Foto: Estadão

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FOTO: CBF

O treinador está entre sua vaidade legítima de comandar mais uma vez o Brasil numa Copa do Mundo - o time está praticamente classificado, invicto nas Eliminatórias e na liderança - e a submissão aos seus princípios de vida e conduta, ressaltando ainda que ele tem um filho, Matheus, na comissão técnica ao seu lado, o que o obriga a ter uma conduta ainda mais transparente e correta diante de um herdeiro.

Ora. Os dois caminhos são legítimos e têm preço a pagar. Tite fracassou na Rússia com um time previsível e sem brilho e com Neymar em xeque. Foi mantido no cargo, o que poucos conseguiram também após perder um Mundial, e agora se vê na antessala da Copa do Catar, faltando pouco mais de um ano. Ele tem o time nas mãos e experiência de já ter disputado um Mundial, o que faz muita diferença. A equipe encorpou, ele aprendeu com os erros, Neymar está mais focado e maduro (batendo na madeira três vezes) e a seleção brasileira sempre figura entre os concorrentes ao título, embora sua última conquista tenha ficado lá atrás, em 2002, com a Família Scolari.

Convenhamos, Tite tem um dilema se largar a seleção. Vai entregar de bandeja um time quase classificado e jogará no lixo um trabalho de três anos. Não vai morrer por isso. Ganha sua consciência tranquila, como ele mesmo disse "trabalhando em paz". Isso não tem preço. Vejo Tite da mesma escola de Muricy Ramalho e Telê Santana, técnicos com princípios que não se misturariam com corrupção e falcatruas. "O que aconteceu com Rogério Caboclo não é da nossa alçada", disse em sua entrevista. Tite não vai querer apertar a mão do chefe depois de tudo o que se descobriu e está sendo investigado sobre ele. Tite não apertaria a mão de um dirigente de futebol condenado por assédio sexual e moral.

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Quando foi chamado para assumir o cargo, carregado nos braços pelos brasileiros, Tite talvez tivesse menos informação da CBF, de Caboclo, de Marco Polo del Nero e José Maria Marin. Beijou Del Nero e sempre será cobrado por isso. Em cinco anos na CBF, sabe exatamente quem é quem na entidade agora. E tenta se proteger em sua sala cercado das pessoas que trouxe para ajudá-lo, com Juninho Paulista. Ocorre que não dá mais para se proteger na sede da CBF. O ambiente é contaminado. E também não dá mais para fechar a porta de sua sala como se do outro lado dela nada tivesse acontecendo. Ou está dentro com Caboclo, se ele voltar, ou estará fora.

Saindo, defende seus princípios. Rompe com Caboclo e tudo o que tira seu sono e tocará sua vida em outras equipes e até mesmo seleções. Ele não está à vontade no cargo e ninguém trabalha bem nessa condição. Se fosse começo de ciclo de Copa do Mundo, não ficaria. Mas a vaidade pesa e ele terá de escolher. É seu trabalho, legítimo, arruinado por um dirigente acusado de assédio sexual e moral. Crime bárbaro praticado dentro da Casa do Futebol, onde Tite dá expediente de oito ou mais horas por dia.

Esse é o cenário. Sem Rogério Caboclo por perto, Tite segue até a Copa do Catar. Se o cartola voltar, Tite ficará em sua vaidade e seus princípios, e não terá mais como blindar o elenco e a seleção. O caminho natural nesse segundo cenário é Tite colocar em prática o que estava pensando em fazer após o jogo com o Paraguai, pedir seu boné e voltar para o mercado.

Opinião por Robson Morelli

Editor geral de Esportes e comentarista da Rádio Eldorado

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