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No basquete, todo mundo sabe driblar. Mas não como esses jogadores da NBA

Três dribladores de elite do passado - God Shammgod, Tim Hardaway e Oscar Robertson - compartilham seus segredos e elegem seus favoritos nos dias de hoje

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Por Sopan Deb
Atualização:

Não tem nada mais emocionante no basquete. Um jogador vem batendo a bola, os olhos fitando a esquerda e a direita, decidindo o melhor ponto para atacar. Então ele faz uma finta, avança na direção certa e aí o defensor vai atrás. Mas a bola toma outro rumo e o infeliz defensor escorrega ou, num desfecho ainda mais embaraçoso, cai no chão. A multidão vai ao delírio.

No basquete, poucas habilidades exigem criatividade mais consistente do que manusear a bola. As oportunidades para enterradas chamativas e passes vistosos vêm e vão. Mas um manuseio de bola inovador é uma necessidade constante, principalmente na NBA, onde defensores robustos estão preparados para fechar todos os pontos de ataque.

Ja Morant, do Memphis Grizzlies, é um dos maiores dribladores atualmente na NBA Foto: Karen Pulfer/ EFE

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Este ano, a pós-temporada da NBA apresentou alguns dos melhores dribladores da história do basquete, como Kyrie Irving, James Harden, Chris Paul e Stephen Curry. Curry cria espaço para arremessos de 3 pontos mesmo cercado por defensores. Harden atrai os defensores para que façam faltas em toda a quadra. Irving é um mago do contrapé e dos movimentos giratórios para chegar ao aro. Paul opera a bola como se ela estivesse presa numa corda. Todos os quatro conseguem passar pelos defensores com facilidade.

O New York Times pediu a três dribladores de outras gerações para falar sobre o manejo da bola: God Shammgod, Tim Hardaway e Oscar Robertson.

Shammgod, assistente técnico do Dallas Mavericks, teve uma breve passagem pela NBA, mas seus dribles se tornaram uma lenda nas quadras da cidade de Nova York. Seu movimento mais característico - o “Shammgod crossover”, no qual ele empurra a bola para a frente com uma mão e depois a puxa com a outra - influenciou toda uma geração de jogadores.

Hardaway, que jogou na NBA de 1989 a 2003, foi um dos melhores armadores da liga. Seu movimento mais notável era um crossover duplo chamado “UTEP Two Step”, em homenagem à faculdade pela qual jogou, a Universidade do Texas em El Paso.

Robertson, membro do Hall da Fama e primeiro jogador a ter uma média de pelo menos dez pontos, dez rebotes e dez assistências durante toda a temporada da NBA, foi um dos primeiros a fazer o crossover ainda na década de 1960.

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Esta conversa foi editada e condensada para maior clareza.

O que alguém deve fazer para se tornar um grande driblador?

SHAMMGOD: Acima de tudo, ter imaginação. Aprender a manipular a bola e os ângulos. Para ser um driblador de elite, eu diria que você tem que saber usar o corpo, usar os pés. Porque o drible é um trabalho dos pés.

HARDAWAY: Não ficar virando a bola. Estar no controle. Saber quando atacar o marcador.

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ROBERTSON: Tempo e experiência. Comecei a jogar quando era jovem. Era armador. Comecei martelando a bola, cometendo muitos erros. Mas aí você se dedica e aprende com diferentes jogadores e com o que eles tentam fazer. Aí você ganha a confiança de ir para cima de qualquer um.

 O arremesso é uma habilidade que evoluiu ao longo do tempo. Os pivôs agora estão arremessando bolas de 3 pontos. Como a abordagem do manuseio de bola mudou?

SHAMMGOD: Mudou muito com a contratação de treinadores diferentes. Gosto de dizer que existe uma diferença entre ensinar alguém a se mover e ensinar alguém a driblar. A maioria das pessoas, quando trabalham com alguém, querem aprender os dribles. Querem aprender o “UTEP Two Step” do Tim Hardaway. Querem aprender o “Shammgod crossover” ou o crossover do [Allen] Iverson. Mas, para mim, isso não é driblar de verdade. É aprender a fazer movimentos.

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HARDAWAY: Você sabe, quando a gente ainda estava jogando, ninguém tinha muita câmera. Não tinha rede social. Então agora eles pegam cada pedacinho de cada ângulo, pode ter cinco ângulos diferentes onde você vê um cara driblando o marcador e chegando na cesta. Cinco ângulos diferentes onde você vê o cara escorregando e caindo.

ROBERTSON: Os caras que sabem manejar a bola e driblar são os atletas mais bem sucedidos. Se você não consegue driblar ninguém, você não vai se sair muito bem no basquete.

Como vocês desenvolveram seus crossovers?

SHAMMGOD: Quando era jovem, eu imaginava todo tipo de drible. E aí treinava em câmera lenta. Com pesos de um quilo nos tornozelos e nos pulsos. Eu driblava em câmera lenta. Assistia aos vídeos em câmera lenta para ver o trabalho de pés dos armadores e como eles faziam o movimento. Então o mais importante para mim era quando eu tirava os pesos dos pulsos. Você tira os pesos das mãos e elas saem voando por aí.

HARDAWAY: Eu sou de Chicago. O porão dos meus pais não estava pronto, então eu descia lá quando estava frio do lado de fora. Descia as escadas e ficava só driblando e trabalhando no meu jogo. Driblando, fingindo que o marcador estava na minha frente. Movimentos para dentro e para fora entre as pernas, atrás das costas - eu passava horas no andar de baixo. Só driblando, driblando, driblando.

ROBERTSON: Só vendo os caras com quem joguei em Indianápolis, um lugar chamado Dust bowl, que ficava ao ar livre. Era uma quadra de concreto, mas a gente chamava de “tigela de poeira”. E tinha uns jogadores bons de verdade. É quase inacreditável. Tenho certeza de que temos jogadores assim no país inteiro, jogadores que jogam muito bem ao ar livre, mas não se saem muito bem quando vão para a quadra coberta.

Quem são seus dribladores favoritos?

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SHAMMGOD: Os que me vêm à cabeça agora: Kyrie, Steph, James Harden, Chris Paul.

HARDAWAY: Cresci assistindo a uma grande pessoa chamada Isiah Thomas, um grande driblador. Aí veio o Rod Strickland. Oh, cara, Rod Strickland fazia umas coisas doidas que ninguém mais sabe fazer. E então, você sabe, tem os caras que vieram depois. Shammgod, em Nova York. Derrick Rose tinha uns dribles bons lá em Chicago. E o Chris Paul, você sabe, aos 37 anos, ainda fazendo o que faz com a bola, é incrível. E, claro, Kyrie. Steph Curry, (Ja) Morant. James Harden.

ROBERTSON: Acho que Curry é muito hábil com a bola de basquete. E o Ja Morant também. Eles entendem o que a defesa está tentando fazer com eles. Quando você vai para cima, você tem que controlar a velocidade. Até certo ponto, você não pode ir a cem por hora, porque não quer trombar com ninguém. Mas esses caras avançam sempre observando a defesa.

Qual foi o seu crossover mais memorável?

SHAMMGOD: Foi no jogo com a Rutgers University. Contra Geoff Billet, no Madison Square Garden, no torneio Big East (1997). Do lado direito da quadra. Eu fiz o primeiro movimento. Dei uma passada para fora e ele tentou correr para roubar a bola. E a única coisa que pude fazer foi puxar a bola de volta com a mão esquerda.

HARDAWAY: Essa história é bem louca. Estava dirigindo e aí meu filho disse: “Pai, eu sei que você não gosta de conversar no carro quando está indo para o jogo. Mas quero perguntar uma coisa. Todo mundo está falando em crossover. O que é isso?” Eu disse: “Rapaz, você nunca me viu fazer o crossover?” Ele respondeu: “não!” Aí eu disse: “OK, pode deixar comigo, mas você não pode ir a lugar nenhum. Você tem que ficar no seu lugar”. Porque ele gostava de ficar passeando, jogando PlayStation e essas coisas todas. Então eu falei: “Você tem que ficar sentado vendo o jogo inteiro. Só pode ir ao banheiro no intervalo. Fora isso, você tem que ficar sentado o jogo inteiro porque não sei quando vai acontecer, mas garanto que vai acontecer”. Foi no Jogo 7 contra o New York Knicks (das semifinais da Conferência Leste de 1997). Desci do carro e disse: “Vou apontar para você”. E eu fiz um crossover e apontei para ele. E deu para ver ele pulando e gritando: “É isso aí, agora eu vi”. Então, foi um momento memorável, conversei com meu filho e mostrei para ele o que era o crossover.

ROBERTSON: Nunca pensei muito nisso, para falar a verdade.

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Até que ponto driblar é uma arte?

SHAMMGOD: Acho que é totalmente arte. É muito louco, porque agora, quando você pesquisa meu nome, não sou eu que vou aparecer. O que vai aparecer é o drible e a maneira como fazer o movimento.

HARDAWAY: Cara, é uma questão de ritmo. É tipo dançar. Era o que o Isiah fazia. Era o que o Nate Archibald fazia. Era o que eu fazia. Driblar é tipo dançar e seguir o ritmo da música. Quando você vê o Kyrie, é assim que ele dribla. Quando você vê o Rod Strickland, é assim que ele dribla. Quando você vê Kemba Walker ou Steph Curry, eles driblam no ritmo da música. Quando você vê as chamadas dos jogos de basquete e eles estão quicando a bola, dá para ver que é no ritmo da música. É uma questão de se mover com leveza e realmente ter essa confiança de que ninguém consegue te barrar. Você enfrenta e olha nos olhos deles e vê que eles estão com medo: “Caramba, estou lascado com esse cara”. Aí está a arte de driblar.

ROBERTSON: Eu só acho que é uma coisa que ou você tem ou você não tem.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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