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A era do rádio

As TVs se rendem à tirania dos clubes e dos treinos fechados. Falta reportagem

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

No tempo do rádio havia um futebol imaginário, visto só pelo narrador. Ou por outra, aquele que o narrador transmitia, frequentemente inventado, embelezado, transfigurado pela sua criatividade. Jogos horríveis podiam se transformar em bons jogos. O narrador estava lá também para entreter o ouvinte, para evitar que ele desligasse o rádio ou mudasse de estação. Havia grandes narradores, inteligentes habilidosos e criativos.

Mas havia um problema a ser resolvido. Era o intervalo entre o primeiro e o segundo tempo. Como preenchê-lo? Inventou-se então o comentarista. Tinha de ser tão bom ou melhor que o narrador, porque falava sobre um jogo que não estava mais acontecendo, tentando prever um jogo que viria em seguida. De novo eram muito bons. Eu poderia enumerar vários, não só de São Paulo, excelentes na capacidade de entreter o ouvinte com opiniões fortes, muitas vezes polêmicas e injustas, mas sempre cumprindo seu papel de manter o ouvinte atento.

Ugo Giorgetti. Foto: Paulo Liebert/Estadão

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Com a televisão, através da qual vemos realmente os jogos, de maneira incrível, perdurou o mesmo esquema do rádio. Há narradores do que estamos vendo e comentaristas do que está diante de nós. Como aumentam a cada dia os canais de esporte, já há uma profusão de comentaristas e narradores falando quase as mesmíssimas coisas. Entre eles há gente interessante.

Alguns são polêmicos, criativos e inteligentes e não têm medo de expressar opiniões. Outros falam, escrevem e têm opiniões que merecem ser ouvidas sobre o jogo e até sobre a vida.

Mas, como era de se esperar, são poucos, e os canais muitos. A maioria dos “comentadores”, todos sentados confortavelmente, fala, fala, fala. É gente simpática dando o máximo de si para interessar o espectador. Só que o máximo deles é muitas vezes pouco. Os canais então apelam para o emotivo e convidam antigos jogadores para falar. O que vale nesses casos é a imagem trazida pelo atleta. É sua presença que evoca velhas conquistas e partidas inesquecíveis, mas, ali, sentados como os outros, pouco falam de novo ou de coisas que não estamos cansados de ver.

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Quanto mais aumenta o número de canais, mais há gente sentada falando sobre as partidas. O curioso é que isso acontece num tempo de extrema mobilidade proporcionada pelos novos equipamentos. Câmeras portáteis de excelente qualidade, de imagem perfeita, luz de led que se pode ligar em qualquer tomada ou bateria pequena, som de alta qualidade. Até um celular manobrado por alguém com alguma familiaridade com fotografia produz uma imagem plenamente satisfatória.

Tudo está pronto para que o futebol saia das salas de comentários e vá onde está a notícia. Falta reportagem num momento em que os meios de fazer uma estão ao alcance de qualquer um.

Os canais se renderam à tirania que os clubes implantaram ao cercar-se de proibições, treinos fechados e censura do que falam os atletas. O futebol se armou contra a imprensa, desde a CBF de portas impenetráveis até as federações, terminando nos clubes e treinadores autoritários. Tudo isso é verdade, mas não é novo no jornalismo. Sempre houve o jornalista atilado e audacioso disposto a se rebelar. Não vejo isso.

Os canais admitem que o futebol está de um lado e eles de outro, falando e falando. Por que está desaparecendo o repórter que vai atrás da notícia e do que está por trás dela, que não se conforma em ouvir assessores, que desconfia que a verdade não está nas entrevistas de perguntas e respostas feitas e ensaiadas após cada jogo? É possível que as TVs estejam de tal forma quebradas que não conseguem pagar despesas de combustível e magros salários iniciais? Suspeito que por aí há gente equipada com boas câmeras e ambição. Por que não são usados?

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