A pressão pelo título é enorme no Fluminense, diz Muricy

Faltando duas rodadas para o fim do Brasileirão, técnico pode conquistar seu título nacional

PUBLICIDADE

Por Silvio Barsetti e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

RIO - Tricampeão brasileiro pelo São Paulo, Muricy Ramalho pode chegar ao quarto título nacional, neste domingo, 28, se o Fluminense vencer o Palmeiras e Corinthians e Cruzeiro tropeçarem. Consolidaria assim sua posição de um dos técnicos mais vitoriosos da história recente do nosso futebol. Nesta entrevista ao Estado, Muricy enalteceu craques como Neymar e Conca, criticou a falta de estrutura de grandes clubes do País e falou da saudade deixada por Telê Santana, ícone do Flu e do São Paulo e técnico da seleção nos Mundiais de 1982 e 1986.

 

PUBLICIDADE

Você chegou ao Fluminense com a intenção de promover mudanças na estrutura do futebol do clube. Que balanço faz depois de sete meses de trabalho?

 

A academia estava bastante ultrapassada. Agora, temos aparelhos novos, que ajudam a medir a força e a recuperação física dos jogadores. Melhoramos em alguns aspectos. Faltam outros. Já encontramos um terreno em Vargem Grande (zona oeste do Rio), que pode vir a abrigar o centro de treinamento do clube. É preciso esperar a eleição para presidente do Fluminense (na terça-feira) para ver como o projeto será encaminhado. Mas é difícil mudar muita coisa nas Laranjeiras.

 

Por quê?

 

Falta espaço. Não há onde criar mais nada ali, a área livre é pequena. Um centro de treinamento, por exemplo, não cabe nas Laranjeiras. Ele seria muito importante para atividades em tempo integral. O atleta teria onde almoçar e descansar antes do treino da tarde. O Fluminense ofereceu ao longo do campeonato um hotel próximo às Laranjeiras para isso. Mas, se tivéssemos o centro de treinamento, haveria menos dispersão e mais economia.

 

O título do Brasileiro compensaria de algum modo a sua recusa em dirigir a seleção logo após o Mundial da África do Sul?

 

Se o título de Brasileiro vier, não tem essa de compensar, de comparar nada. Quando tomei a decisão lá atrás de ficar no clube, não tinha ideia que o Fluminense chegaria como líder à reta final do campeonato. Nem poderia ter essa expectativa. Ninguém imaginava isso. Ou já se esqueceram que o Fluminense, nos últimos três anos de Brasileiro, brigou para não ser rebaixado?

Publicidade

 

O Fluminense está próximo do título, depois de quase cair em 2009. O Flamengo, atual campeão, ainda corre o risco da queda. Por que essa inconstância em grandes clubes brasileiros?

 

São vários fatores, incluindo a falta de uma estrutura melhor. Mas não é só isso. Estrutura por si só não ganha título. O jogador tem de ser cobrado diariamente. Quando ganha um título importante, ele tende a se acomodar, a relaxar, pensa que já fez tudo que devia. Não é assim. É preciso mostrar para os atletas que um clube grande tem sempre novos objetivos. Acabou o Brasileiro, tem de pensar na próxima temporada e em ganhar a Libertadores, o Mundial. Se o clube vence, cresce, consegue bons negócios, patrocínios, investimentos, tudo melhora para todos.

 

Pelo Brasileiro de 2009 e o atual, pode-se dizer que o futebol do Rio voltou a equilibrar com os paulistas a disputa pela supremacia do País?

 

O futebol do Rio melhorou bastante, mas precisa ganhar títulos internacionais, como Libertadores, Mundial de clubes. Não houve uma queda do futebol paulista, não vejo assim. No Rio, você dispõe hoje de ótima estrutura de qualificação pessoal, com muita gente competente em vários setores. Em São Paulo o que sobressai é a estrutura mais técnica, com academias modernas, centros de treinamentos.

 

Dos técnicos com os quais você trabalhou ainda como atleta (Minelli, Parreira, Telê, entre outros), quem mais lhe influenciou?

 

O aprendizado é com todos. Mas o Telê Santana era fora de série. Sinto muita falta dele, o futebol brasileiro sente falta dele. Era um cara super-romântico, não via maldade em nada, acreditava sempre no melhor, queria que os jogadores crescessem pessoal e profissionalmente. Essa visão romântica não existe mais. O futebol hoje virou um grande negócio, é um vale-tudo, onde o que importa é ganhar a qualquer custo, obter o resultado na base do custe o que custar.

 

Os destaques do Campeonato Brasileiro são, em sua maioria, estrangeiros - Conca, Montillo, Loco Abreu, D'Alessandro. Há uma dificuldade hoje na produção de craques no Brasil?

Publicidade

 

Não vejo dessa forma. O Neymar está aí para provar o contrário. É o maior craque da atualidade do nosso futebol e vai ser em poucos anos um dos maiores jogadores do mundo. É preciso levar em consideração que muitos dos nossos atletas vão cedo para o exterior.

 

Por que tanta convicção com relação ao futuro de Neymar?

 

Ele é o único do futebol brasileiro capaz de fazer coisas que ninguém imagina. Ele tem a arte do improviso, é diferente, ninguém consegue marcá-lo.

 

Revelar um grande jogador a cada dois anos não é pouco?

 

As coisas estão mudando. A formação nas categorias de base ceifou o nosso talento. Como você pode imaginar um garoto no infantil de um clube tendo que jogar à base de esquemas táticos, não podendo fazer isso ou aquilo? Na idade dele, tem é de se divertir com a bola, ficar livre. Isso é culpa de treinadores, de curiosos, que passaram a valorizar demais a parte tática na base. Mas, de um tempo para cá, isso começou a tomar outro rumo. Aos poucos, estamos voltando a nossa origem.

 

E quanto à 'invasão' bem-vinda de sul-americanos no futebol brasileiro?

 

Que continue assim, isso é ótimo. O mercado vizinho é promissor. A gente consegue trazer da Argentina e do Uruguai jogadores de muita qualidade e por um valor aceitável. Nos países deles, não têm grande reconhecimento. Então, vêm para o Brasil e viram ídolos. O Conca talvez seja o maior exemplo disso. Um jogador extraordinário, completo.

Publicidade

 

Como você reagiu ao ver torcedores do São Paulo comemorando os gols do Fluminense no último fim de semana?

 

A rivalidade existe em toda parte do mundo, vejo como algo natural. Mas também quando saiu o gol do São Paulo eles vibraram muito (o clássico terminou 4 a 1 para o Flu, resultado ruim para o Corinthians).

 

A arbitragem teve influência na classificação do Brasileiro?

 

Não tem ninguém querendo ajudar ninguém. Erros normais, como eu erro, como você erra, como qualquer um erra.

 

O que pesou mais para sua saída precoce do Palmeiras, antes do acerto com o Flu?

 

Tínhamos um bom time, mas não um bom plantel. Perdemos três jogadores importantes, Xavier, Pierre e Maurício, numa hora crucial. Aí não foi possível conquistar o título (do Brasileiro de 2009) e as cobranças vieram com intensidade. Coisas do futebol, da vida.

 

No início da semana, Luiz Felipe Scolari deu uma declaração que soou como desdém para o clássico Palmeiras x Flu. "Ué, vai ter jogo domingo?", comentou o técnico palmeirense. Como interpretou essa reação?

Publicidade

 

O Felipão só quis separar as coisas. A prioridade dele ali era o confronto de quarta-feira com o Goiás, que valia vaga na final da Copa Sul-Americana. Não falou nada de mais.

 

A eliminação do Palmeiras na Sul-Americana pode ter alguma influência no jogo com o Flu?

 

Não existe isso. Vai ser outra pedreira. A pressão pelo título é enorme no Fluminense, e a ansiedade toma conta de todos. Vai ser um jogo nervoso, com técnico e jogadores tensos, nossa torcida tensa. Mas é assim mesmo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.