O jeito bonachão à beira do gramado, camisa suada, empurrando o time para o ataque e gesticulando o tempo todo, esconde um Abel Braga paizão dos atletas, capaz até de tirar dinheiro do bolso para dar o que comer aos amigos. Apaixonado pelo que faz, sonha em ser técnico da seleção brasileira, quer trabalhar na Europa novamente e, nas horas vagas, toca piano e toma um bom vinho. Agora, no comando do Fluminense, depois de conquistar o Campeonato Carioca, lidera o Brasileirão, junto com Santos e Botafogo. Agência Estado - Você é um se identifica muito com os clubes que dirige. Qual o segredo? Abel Braga - Eu me identifico facilmente com os locais de trabalho. Visto a camisa. Era assim na Ponte, Flamengo e agora no Fluminense. E sou o mesmo Abel nessas três equipes. Não sei se isso é favorável ou desfavorável, mas sou assim. Já ocorreu de deixar passar ofertas melhores porque preferi ficar onde estava. AE - Você é centralizador? Abel - Nunca fui. Sou de trabalhar em grupo. Mas tem uma coisa: se percebo que estou sendo sacaneado, pego minhas coisas e me mando. Por isso é que não faço questão de ter multas rescisórias nos contratos. Se quiser sair, saio e pronto. Não sou de afrouxar e só seguro a onda em ambientes honestos. AE - Você chegou a tirar dinheiro do bolso para ajudar atletas da Ponte Preta? Abel - Tínhamos um grupo bom em Campinas, mas o dinheiro não entrava e o clube passava por dificuldades até para alimentar os atletas. Os jogadores precisavam comer melhor. Então eu ajudava na compra de um macarrão, carne moída, bife. Os garotos deram a vida no torneio de 2003. Seguraram a onda e escaparam do rebaixamento. AE - Vendo seu trabalho tem-se a certeza de que você joga com o time... Abel - Futebol para mim é paixão. Sou apaixonado pelo que faço, apesar de não me ver como técnico por muito mais tempo. Acho que trabalho uns cinco anos mais e paro. Vou curtir a família. Enquanto existir essa paixão, eu fico, mas acho que ela vai acabar um dia. Tenho 52 anos, devo parar lá pelos 56. AE - Não é cedo? Parar logo agora que começa a ser observado com carinho pelos clubes... Abel - Pode ser. Mas quero passar mais tempo com a família e só tenho essa condição quando estou desempregado. Minha mulher e meus filhos foram recentemente para a França e eu não pude ir porque estava trabalhando. Isso pesa. AE - E quais são seus planos? Abel - Ainda quero treinar um clube na Europa. Tive a chance de voltar para a França, no Olympique, ano passado, mas não deu certo. Poderia ser também em Portugal, onde morei durante sete anos (um dos seus filhos nasceu em Lisboa). Possuo uma casa em Lisboa e confesso que tenho planos de morar em Portugal. O Rio, minha cidade, está ficando perigoso. Vivo assustado... AE - E a seleção brasileira, não pensa em treinar? Abel - A possibilidade passa pela cabeça. No ano que vem, após a Copa do Mundo, o cargo estará vago. Estou ganhando títulos e começando a ficar em evidência. Isso pode me ajudar. Não custa sonhar... AE - Você tem 20 anos de carreira. Por que somente agora caiu nas graças dos dirigentes? Abel - Nunca fui de ter muitos amigos no futebol. Alguns que tenho estão fora do País ou morando em outro Estado. E você sabe que no mundo do futebol há muitos favores. Meu pai perdeu tudo na vida por causa desses favores. O excesso de amizade acabou com a vida dele. Então, eu conheci cedo o problema do excesso de amigos. Moro no Leblon há 20 anos sem pedir favores ou fazer lobby. Basta dizer que somente agora um grande de São Paulo me fez proposta, o Palmeiras. Não pude aceitar porque estou bem no Flu e não teria coragem de sair. AE - Como você é com os atletas? Abel - Sou muito exigente, dou bronca, mas sou amigo deles, amigo, amigo mesmo! Sacanagem eu não faço, nem tolero. E sou de falar na cara o que tenho de falar. Tem problema? Vamos conversar. Sobre o que acontece em campo, vitória ou derrota, é minha responsabilidade. Mas não quero um grupo reclamando com o árbitro ou se acusando. Quando cheguei ao Flu, a defesa reclamava do ataque, que reclamava dos armadores. Isso acabou. Não existe mentiras ou assuntos mal resolvidos. Sou feliz no meu trabalho, apaixonado, e acho que o atleta deve ser também. O jogador precisa gostar do clube e dos colegas, pois somente com essa comunhão você suporta a convivência. AE - É verdade que toca piano? Abel - Minha mãe era pianista. Eu estudei piano dos 5 aos 12 anos. Toco alguns clássicos. Foi a única coisa que aprendi verdadeiramente na vida. Talvez isso não combine com futebol, mas, apesar de ter sido jogador, minha vida não se resume ao esporte. Fiz faculdade de Administração e Direito. Há coisas que gosto de fazer fora do futebol. Tocar piano é uma delas. Também gosto de um bom vinho, bons restaurantes, boa leitura. Ocorre que estou perdendo esse meu lado cultural. Passo muito tempo na poltrona. E sabe por quê? Por causa da tevê à cabo. Você se rende à programação e acaba ficando em casa. AE - Quais são suas alegrias e seus dissabores no futebol? Abel - Dirigir os quatro grandes do Rio - Botafogo, Vasco, Flamengo e Fluminense - é uma coisa maravilhosa. Eu já havia jogado em três, só no Fla que não. Também tive a sorte de passar pelos três de Curitiba, onde fui campeão com o Atlético-PR e Coritiba. AE - No Rio, todos te pagaram? Abel - O Botafogo ainda não. O Vasco sim. O Flamengo me deve, mas parcelamos a dívida em dez vezes. O clube vai pagando. Eles me ligam para dar satisfação. AE - E os dissabores? Abel - Foi ruim ser demitido do Atlético-MG, em 2001, pelo diretor Alexandre Calil, que estava no clube fazia dois dias. Na véspera, ele havia feito uma porção de elogios a mim. No dia seguinte, me mandou para a rua. O Atlético-MG era líder do Estadual. Não entendi nada. Outra decepção foi na Copa de 78. Eu não joguei, mas aquele caneco era nosso, estava nas nossas mãos. Depois que vencemos a Itália por 2 a 1, isso ficou claro. Mas veio aquela derrota estranha do Peru para a Argentina. AE - E a derrota do Flamengo para o Santo André na Copa do Brasil? Abel - Sabíamos que o Santo André tinha um bom time e que havia feito por merecer a classificação. Sabíamos dos riscos. Chegamos à final sem perder e havíamos empatado por 2 a 2 no jogo do Parque Antártica. Meu erro foi não ter tirado o time do Rio. Devíamos ter escapado do clima de ?já ganhou?. Recentemente, na decisão do Estadual com o Volta Redonda, programei de sair com o Flu após o primeiro jogo, independentemente do placar. Isso foi fundamental na conquista. AE - A propósito: era mais fácil ser zagueiro no seu tempo ou agora? Era do tipo que batia? Abel - Eu sempre joguei duro, mas não era violento. Pode perguntar ao Zico, ao Roberto Dinamite. Na minha época, a gente levava desvantagem porque tínhamos de cobrir os laterais e só tínhamos pela frente jogadores como o Edu, o Zé Sérgio. Não era fácil! Hoje, os beques atuam num setor restrito do campo, têm dois laterais que marcam e dois ou três volantes encarregados da cobertura. Hoje é bem mais fácil. AE - Qual é o perfil de jogador que gosta de ter no seu time? Abel - Gosto de ter homens no time. Valoriza aquele atleta que após uma derrota chega no clube e assume sua culpa, dizendo que foi uma porcaria. Não gosto de atletas covardes, que se escondem. Comigo tem de olhar no olho.